Editorial
JP, 25 de julho
Foi,
talvez, Gregório de Matos Guerra o precursor da sátira política no Brasil e o
primeiro a dedicar seu talento para investir contra a incompetência, a
corrupção e a arrogância. Devia ser o último a ser usado por alguém como Sarney,
nos dias de hoje, para atingir os adversários; o último a ser utilizado para
ilustrar de El-rei a tensão pré-eleitoral.
Ninguém
aqui fala mal do Maranhão; falam mal de Sarney, sem dúvida um dos piores
acontecimentos da política brasileira nos dois últimos séculos. Porque encarnou
um espírito coronelista, oligárquico e ditatorial que engessou o Maranhão
economicamente, socialmente em torno de sua família. Criou uma engrenagem
política mastodôntica que se infiltrou como câncer nas instituições públicas.
Contado
em números, nestes quase 50 anos praticamente só se elegeu quem ele quis, só
atingiu a alta magistratura nesse Estado quem ele deixou. O peso de sua mão
apoiada nos fuzis da ditadura militar se abateu sobre a Assembléia, sobre o
Tribunal de Justiça, sobre os tribunais de contas. Ficou impossível, no
Maranhão, decidir qualquer coisa contra sua vontade. E criou aqui a mais
corrosiva cultura da corrupção, a exemplo do que o Fantástico denunciou sobre
os municípios de Mata Roma e Anapurus.
De
uma situação como essa, com as elites decaídas, subjugadas pelo poder de Sarney,
diria Gregório de Matos Guerra, se vivo, sobre o Maranhão:
“O
demo a viver se exponha
por
mais que a fome a exalta
numa
cidade onde falta
verdade,
honra, vergonha”
Sarney
não ira gostar de Gregório de Matos Guerra, não poderia suportá-lo. Tiranos não
suportam poetas, que, em geral, eles causam comichões em toda e qualquer forma
de poder absoluto. Revoltado com a fome que assolou a Bahia nos idos de 1684 e
com a reverência da Igreja Católica para com El-rei, o “Boca do Inferno”
atacaria impiedoso:
“Com
palavras dissolutas
me
concluo na verdade
que
as lidas todas de um frade
são
freiras, sermões e putas”
E
vimos a Justiça, do Maranhão e do Brasil, decidir muita coisa em favor da
vontade de Sarney, inclusive a cassação do Dr. Jackson Lago, inclusive o
arquivamento e prescrição de crimes que jamais poderiam ser arquivados nem
prescrever. Certamente Sarney e seus discípulos não iriam gostar de Gregório de
Matos Guerra dizendo:
“Valha-me
Deus a que custo
o
que El-rei nos dá de graça
que
anda a Justiça na praça
bastarda,
vendida, injusta”
E
quanto aos nossos parlamentares, esses que não tiveram coragem de negar aprovação
a uma proposta tão indecente quanto o Fundema, apesar de compreenderem a vileza
de suas intenções, sobrariam em sua perfeição estes versos do “Boca do
Inferno”, Gregório de Matos Guerra:
“Quem
haverá que tal pense
que
uma Câmara tão nobre
por
ver-se mísera e pobre
não
pode, não quer, não vence”
Atacando
dessa forma “os maus modos de obrar na governança”, Gregório de Matos Guerra
seria no Maranhão uma espécie de inimigo de Estado. E, quem sabe, Sarney lhe
arranjaria também um degredo em Angola.
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