JM
Cunha Santos
Praça
João Lisboa. Às 10:30 horas um cidadão sem nome entra na agência 0027 013 da
Caixa Econômica Federal. Ele só quer receber a segunda via do cartão de
poupança. E me contou essa história.
-
Eram três placas. Uma anunciava o local do ATENDIMENTO EXPRESSO, outra FGTS e
PIS e a terceira “Atendimento preferencial para idosos, pessoas com
necessidades especiais, lactantes” etc. Com mais de 60 anos busquei a última
fila e pedi uma senha. Recebi o número 61 e o caixa, em seguida, gritou: Número
38! Comecei a sofrer. O meu número era 61, mas eram apenas 15 cadeiras à
disposição. “Ainda bem que esse sapato não aperta, ainda bem que hoje pude
tomar o café da manhã”, pensei imaginado que levaria no mínimo uma hora até ser
atendido.
De
posse da senha e calculando o tempo até ser atendido, fui a pés até a barbearia
mais próxima. Nélio, o barbeiro, terminou de atender o último cliente e me
atendeu em seguida. Voltei à agencia da CEF no exato instante em que trocavam o
caixa do banco e o novo inquilino gritava: Número 45!
Todo
aquele tempo e eles só tinham atendido sete pessoas!
O
sofrimento aumentou, os pés começaram a doer, a fome começou a dar sinal de
vida e mais gente chegava e mais gente pegava senha e nenhuma cadeira
desocupava.
Comecei
a observar as pessoas e a primeira coisa que notei foram as presenças de
crianças. Muitas crianças, nos colos das mães, das avós, das tias, andando,
correndo, pulando ou crianças de colo emprestadas para garantir o atendimento
preferencial. Mulheres amamentando, mulheres grávidas, acompanhadas ou não de
seus maridos e a lentidão do tempo passando até que o relógio bateu meio-dia.
Observei
na fila do ATENDIMENTO EXPRESSO o mesmo tipo de pessoas em pé, conversando,
fazendo novas amizades, crianças para todos os lados, bolsas brilhantes a
tiracolo, camisas do flamengo, do Vasco, da Seleção, lenços para assoar os
pequeninos, shorts jeans e comentários. “Eles bem que poderiam colocar mais
caixas para atender essa gente toda”. “Deviam criar uma fila só para quem vai
receber cartão, que é rápido”.
Devem
ter sido os pés doloridos e a fome que me levaram a um pensamento impiedoso:
“Tudo
aqui me lembra restaurante do governo”.
Eram
12:30 horas. Finalmente consegui sentar. O caixa do banco gritou o número 54 e
me veio à cabeça uma lei que obriga as agências bancárias a atenderem os
clientes em no máximo 30 minutos. “Acho que no Brasil as leis foram feitas com
o único objetivo de serem desobedecidas”, pensei.
A
agência esvaziou um pouco, mas ainda havia muita gente em pé, as 15 cadeiras
estavam ocupadas e muitas crianças, cada vez mais inquietas e agitadas. Às 13
horas fui atendido. Havia esquecido a senha do cartão e tive que fazer outra
que perigosamente anotei no maço de cigarros depois de visitar um dos banheiros
mais apertados do país.
Às
13:15 horas saí do banco e fui pegar meu carro. Paguei 12 reais de
estacionamento e parti no rumo da Ponte do São Francisco. Um grupo que
protestava contra o governo havia bloqueado a entrada da ponte e eu entrei num
engarrafamento insuportável. Precisamente às 15 horas e 20 minutos eu estava em
casa. Cansado, com fome e com todos os compromissos do dia perdidos.
Ainda
bem que eu tinha anotado a nova senha no maço de cigarros.
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