JM
Cunha Santos
Bateram em Deus o dia todo
açoitaram
o Pai, o Filho e o Espírito Santo
o
humano emporcalhado em sangue e lodo
a
carne de Deus voou, Jesus comeu seu pranto
depelado
vivo à turba de beócios
que
confundem missão com prazer e negócios
Bateram, Deus, em Deus a tarde inteira
espancaram para que não fosse eterno
e
só devemos esperar que a gente carniceira
ouça
de Caifás para sempre a voz no inferno
Bateram em Deus o dia todo
acorrentaram
o Filho em estacas difíceis
lancetaram
impiedosos o coração visigodo
chicotes
de urânio, pregos que viram mísseis
na carne de Deus o ódio dos sócios
fez
da crueldade séculos de sacerdócio
de
um povo que bate em seu Deus solitário
rei
eterno de um reino onde não se vê o rei
que
escreve mandamentos em panos sudários
“Amai-vos
uns aos outros como eu vos amei”
Batem em Deus no século 21
não
importa se carrega uma cruz radiativa
o som do pecado é cada vez mais comum
o
filho do Homem cada vez mais em carne viva
É a mesma a dor que se descreve
os
mandamentos de Deus sem espaço na Web
Furam
seu Deus com lanças eletrônicas
o Filho chora, inerte, uma dor jamais havida
e
ao contemplar impotente chacinas biônicas
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida”
Batem em Deus no século 21
Não
em qualquer rosto, só no rosto sério
Mahlala
de Gutánamo não soma um mais um
que
a tortura nos berços esquarteja o Império
Na Roma hodierna é o mesmo o mal
e
grita pela fé o Cristo digital
lavando no corpo seiscentas feridas
junto
à púrpura e ao ouro onde os profetas jazem
e se é esse o grito que suspende a
vida
“Pai,
perdoai-os; eles não sabem o que fazem”
Batem em Deus, batem muito forte
Pobres, ricos e homens sem salário
Batem tanto no Deus que superou a morte
Batem
malandros, gentios e otários
É
como se afundassem num céu abissal
Os filhos do bem e os filhos do mal
E
o couro que voa pedindo perdão
Um
corpo de sol transformado em torresmo
Batendo
com os pés, com a alma e com a mão
“Ama
o teu próximo como a ti mesmo”
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