domingo, 8 de março de 2015

Advogados de Porta de Congresso

JM Cunha Santos


Na edição deste sábado, o Jornal Pequeno fez referência à figura histórica do advogado de porta de cadeia, lembrando, entre outras, coisas, como eram ridicularizados por suas pobrezas e permanência constante nos plantões policiais. Frisou o matutino que, sem fama nenhuma e sem condições financeiras de montar um escritório, esses causídicos vagavam pelas portas dos distritos policiais à procura de clientes.
Dá para imaginar as cenas:
- Meu cartão. Qual foi o teu crime, rapaz?
- Roubo.
Tem ficha na polícia?
Não.
- É réu primário. Vamos alegar que é réu primário e tu vai cumprir a pena em liberdade.
- A polícia te bateu?
- Bateu.
- Caso clássico de abuso de autoridade. Vamos impetrar um habeas corpus.
Ou, então:
Qual foi o teu crime?
- Homicídio.
- Teve briga?
- Teve, o cara tava batendo no meu primo.
- Legítima defesa de terceiro. Vais estar livre em pouco tempo.
Ou, então:
- Dr., o cara me chamou de corno na frente de todo mundo.
- Coação moral irresistível. Não ficas nem um dia na prisão.
E, assim, o advogado de porta de cadeia assegurava a ampla defesa a clientes pobres que, em geral, não tinham o necessário poder aquisitivo para pagar um advogado particular, com escritório montado e melhor conhecimento da legislação.
Mas a evolução do crime no Brasil ultrapassou todas as expectativas. Os criminosos humildes, hoje, são mais raros, o tráfico de drogas criou defesas próprias para seus associados, surgiram organizações criminosas com endereços em mansões,  hotéis de luxo e grandes empreiteiras, os contadores do crime viraram doleiros, o crime organizado descobriu que é mais fácil e menos perigoso roubar dinheiro público que traficar, seqüestrar e assaltar bancos. E, seguindo essa evolução, a julgar pelo que se lê hoje no noticiário, o Advogado de Porta de Cadeia foi substituído pelo Advogado de Porta de Congresso.
- Meu cartão. E aí, tu tá enrolado em quê?
- Licitação fraudulenta e propina.
- Qual é o teu cargo?
- Senador e ex-ministro.
- Cabem recursos. Cabem muitos recursos, vamos mandar para os tribunais superiores. Pode ficar despreocupado que tu tens foro privilegiado e tua condenação leva tempo. Quem sabe, quando a condenação sair tu até já morreu!
Ou então:
- Associação criminosa.
- Sem problema, a gente joga a culpa nos teus sócios.
Ou, então:
- Lavagem de dinheiro.
- Esse é complicado, mas é difícil de provar. De antemão posso te garantir uma prisão domiciliar ou em regime semi-aberto, com direito a emprego, prestar consultoria para empresas interessadas em trabalhar para o governo, essas coisas...
Ou, então:
- Evasão de divisas.
- Besteira. Nesse país ninguém vai preso por transferir dinheiro suspeito para paraísos fiscais. Até porque é difícil de localizar. No máximo terás que ressarcir alguma coisa aos cofres púbicos, mas isso é de praxe, é normal e ainda vai te sobrar muito dinheiro.

E foi assim que as figuras heróicas e solitárias dos Advogados de Porta de Cadeia foram substituídas pelas figuras, sempre ricas e famosas dos Advogados de Porta de Congresso, que também atuam em portas de Prefeituras e até o ano passado, por exemplo, eram figuras carimbadas e indispensáveis na porta do Palácio dos Leões.

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