JM
Cunha Santos
Na
edição deste sábado, o Jornal Pequeno fez referência à figura histórica do
advogado de porta de cadeia, lembrando, entre outras, coisas, como eram
ridicularizados por suas pobrezas e permanência constante nos plantões
policiais. Frisou o matutino que, sem fama nenhuma e sem condições financeiras
de montar um escritório, esses causídicos vagavam pelas portas dos distritos
policiais à procura de clientes.
Dá
para imaginar as cenas:
-
Meu cartão. Qual foi o teu crime, rapaz?
-
Roubo.
Tem
ficha na polícia?
Não.
-
É réu primário. Vamos alegar que é réu primário e tu vai cumprir a pena em
liberdade.
-
A polícia te bateu?
-
Bateu.
-
Caso clássico de abuso de autoridade. Vamos impetrar um habeas corpus.
Ou,
então:
Qual
foi o teu crime?
-
Homicídio.
-
Teve briga?
-
Teve, o cara tava batendo no meu primo.
-
Legítima defesa de terceiro. Vais estar livre em pouco tempo.
Ou,
então:
-
Dr., o cara me chamou de corno na frente de todo mundo.
-
Coação moral irresistível. Não ficas nem um dia na prisão.
E,
assim, o advogado de porta de cadeia assegurava a ampla defesa a clientes
pobres que, em geral, não tinham o necessário poder aquisitivo para pagar um
advogado particular, com escritório montado e melhor conhecimento da
legislação.
Mas
a evolução do crime no Brasil ultrapassou todas as expectativas. Os criminosos humildes,
hoje, são mais raros, o tráfico de drogas criou defesas próprias para seus
associados, surgiram organizações criminosas com endereços em mansões, hotéis de luxo e grandes empreiteiras, os
contadores do crime viraram doleiros, o crime organizado descobriu que é mais
fácil e menos perigoso roubar dinheiro público que traficar, seqüestrar e
assaltar bancos. E, seguindo essa evolução, a julgar pelo que se lê hoje no
noticiário, o Advogado de Porta de Cadeia foi substituído pelo Advogado de Porta
de Congresso.
-
Meu cartão. E aí, tu tá enrolado em quê?
-
Licitação fraudulenta e propina.
-
Qual é o teu cargo?
-
Senador e ex-ministro.
-
Cabem recursos. Cabem muitos recursos, vamos mandar para os tribunais
superiores. Pode ficar despreocupado que tu tens foro privilegiado e tua condenação
leva tempo. Quem sabe, quando a condenação sair tu até já morreu!
Ou
então:
-
Associação criminosa.
-
Sem problema, a gente joga a culpa nos teus sócios.
Ou,
então:
-
Lavagem de dinheiro.
-
Esse é complicado, mas é difícil de provar. De antemão posso te garantir uma
prisão domiciliar ou em regime semi-aberto, com direito a emprego, prestar
consultoria para empresas interessadas em trabalhar para o governo, essas
coisas...
Ou,
então:
-
Evasão de divisas.
-
Besteira. Nesse país ninguém vai preso por transferir dinheiro suspeito para
paraísos fiscais. Até porque é difícil de localizar. No máximo terás que ressarcir
alguma coisa aos cofres púbicos, mas isso é de praxe, é normal e ainda vai te
sobrar muito dinheiro.
E
foi assim que as figuras heróicas e solitárias dos Advogados de Porta de Cadeia
foram substituídas pelas figuras, sempre ricas e famosas dos Advogados de Porta
de Congresso, que também atuam em portas de Prefeituras e até o ano passado,
por exemplo, eram figuras carimbadas e indispensáveis na porta do Palácio dos
Leões.
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