Editorial JP, 26 de janeiro
Oscar Wilde ofendeu a sensibilidade
moral dos críticos britânicos com seu romance “O retrato de Dorian Gray”, mas
acabaria desafiando a crítica e a moral pequeno burguesa da época publicando
uma edição revisada e ampliada do livro prematuramente censurado pelos
editores. A nova edição trazia, também, um prefácio aforístico – uma apologia
às relações entre a arte do romance e o leitor.
A pouco sutil crueldade que se esconde,
ainda hoje, por trás das críticas e acusações à mentalidade hedonista de
escritores e poetas, entregues a vícios e prazeres de toda a sorte, escravos da
beleza e da arte, é tão velha quanto os sótãos onde herdeiros das melhores
castas sociais, consumiam ópio e se entregavam à devassidão. Com a diferença de
que o poder e o status tendem a ocultar as démarches morais que acontecem nas
mansões e, entre os empobrecidos, sem direito a justiça nem vestes brilhantes,
a amoralidade divulgada pode redundar até em prisão.
Mas o romance é de uma genialidade só
permissível aos pecadores públicos. A partir de uma pintura de Basil, Oscar
Wilde conta a história de um homem (Dorian Gray) que vende a alma ao Diabo para
que, em vez dele, envelheça o seu retrato, até que desapareça. Aceito o
contrato, Dorian passa a perseguir uma vida libertina, de variadas experiências
amorais, enquanto seu retrato envelhece e registra, nas rugas e sulcos da face,
todos os pecados que corrompem a alma e que Dorian se aventura a cometer.
Assim como os críticos britânicos do
século XVIII, parte da imprensa se comporta como Dorian Gray, apressando-se em
produzir críticas vazias, criar factoides, caluniar autoridades, na vã ilusão
de que seus retratos superpostos nas paredes evitarão o envelhecimento ou
esconderão a face marcada por pecados, as marcas hediondas de uma ação
profissional que atinge e fere famílias e não se coaduna nem preocupa com a
verdade. Além do que defende a corrupção.
Essa libertinagem profissional serviu
muito à censura e à manipulação dos fatos e precisa ser desafiada e combatida
da mesma forma que Oscar Wilde desafiou os críticos e a censura à sua época.
Acrescentando-se, ainda, que àquela época não existiam monopólios dos meios de
comunicação com poder de sabotar a verdade, como nos dias de hoje, onde há
muitos Dorians pendurando retratos inutilmente nas paredes, inclusive nas
paredes do Maranhão.
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