sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Testamento Provincial

Editorial JP, 22 de janeiro


Tudo isso, toda essa cidade era de feltro , as moças jovens empanadas como camarões e o poeta com sua barba branca criando uma nova linguagem e uma terrível necessidade de embriaguez corrompendo o silêncio. As casa eram pequenas e nas ruas estreitas de São Luís era como se todos nós, míseros poetas, morássemos na praça João Lisboa. Dos bares do abrigo até o inferno da prostituição da rua 28 de julho o poeta gritava a sua dor por Frederico, o filho final que em paginas de auto imolação ele descrevia.
Difícil é compreender uma poesia nascida e criada nos becos de São Luís e que desafiou toda a logica da literatura mundial. Sua barba, seus chinelos, a briga com o grande amor da sua vida Arlete Nogueira da Cruz Machado porque se negava a calçar sapatos não explicam a tortura de ser poeta, só poeta e não querer ser nada mais. O brilho daquele homem branco que gastava sua verve nas barbearias e subia e descia cada uma das ladeiras de São Luís apenas para dizer “Sei que no alto uma lua renasce sempre em lua, mas em mim o dia se apaga. Sinto: sei que não vou poder nascer de novo”. O poeta que discutia com Deus, que descreveu a humanidade como se apenas ele existisse que não negociava com seus versos, finalmente morreu. Velado nas academias de letras que ele rejeitou só sabia que em cada esquina dessa cidade Augusto dos Anjos, T. S. Eliot esperava por ele. E em São Luís ele construía Nova York, Paris e todas as terras onde a literatura vicejou.
Nauro Machado  descobriu que a eternidade pode ser mais longa do que imaginamos e no seu amor pela loucura e pelo grito escolheu a arte mais silenciosa que um ser humano pode imaginar . Viveu aqui como se o apocalipse bíblico lhe ordenasse a acreditar em Deus. Todo o medo de um homem que não sabia ser homem que só viveu para que a poesia não acabasse fez com que o acusassem de ser um pequeno burguês. No mesmo ritmo de um Baudelaire escrevendo as “Litanias de Satã” em Paris o poeta fez o que essa província São Luís, no fim do mundo, debatesse todas as filosofias. Por mais que se discuta, ou queiram dizer  que seus sentimentos eram inacessíveis ao comum dos mortais há que entender que os gênios não escolhem a própria dor. O fato é que a literatura mundial precisava, urgentemente de um novo discurso, sem opções politicas, sem partidarismo, mas que representassem uma revolução sem sangue e com novas ideias. “Testamento Provincial”,  “O calcanhar  do humano”, “Os órgãos apocalípticos” fazem parte da história de um poeta que escrevia no cinema e que fazia da solidão um jeito novo de viver. Não nos culpem por esse orgulho de sentir que, dificilmente, surgirá  em São Luís um poeta que caia tanto e ame tanto como Nauro Machado amou.

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