JM
Cunha Santos
O
Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, o livro mais traduzido no mundo depois da
Bíblia, desembarcou no Brasil para, aqui também, enfrentar moinhos de vento.
Ele, quatrocentos anos depois, ainda presa de alucinações; nós brasileiros, de certezas
que angustiam, machucam, decepcionam e revoltam. Um enredo genial, capaz de
vencer o luxo da Estácio de Sá e até mesmo o da impagável Beija Flor Nilópolis
Na
Marquês de Sapucaí, o cavaleiro andante, ladeado por camponeses, conseguiria
aprisionar os corruptos, venceria o dragão da inflação e lavaria a alma do povo
brasileiro, passeando pela genialidade de Tarsila do Amaral, Chico Buarque de
Holanda e Geraldo Vandré. A Mocidade Independente de Padre Miguel, com tanques
de guerra e navios negreiros na avenida, recolocaria em nossa memória que o
povo brasileiro, assim como venceu a escravidão e a ditadura, em luta sempre
desigual, é capaz também de vencer a corrupção institucionalizada.
Estava
faltando isso na cultura brasileira: um movimento de massas apoteótico que
encontrasse na literatura esse nicho de realidade que a maioria de nossos
intelectuais, uma parte generosamente corrompida, outra por absoluta ociosidade
social, prefere esconder. Por isso, obras como “Vidas Secas”, de Graciliano
Ramos e “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, foram revisitadas na Marquês de
Sapucaí. Para mostrar que a maioria dos brasileiros ainda seca, que jagunços e
pistoleiros ainda expulsam e assassinam o homem do campo, ainda existe trabalho
escravo e a dignidade do trabalhador é corroída dia e noite em paraísos
fiscais.
Enquanto
nos conformamos em escrever poesias herméticas, inatingíveis ao comum dos
mortais e num país de realidades tão pungentes, a Mocidade Independente de
Padre Miguel soltou o grito engasgado na garganta do povo brasileiro. É como se
seguíssemos a conspiração literária internacional que enche a literatura e o
cinema de androides, humanoides, vampiros e lobisomens, mas deixa de lado,
propositadamente, as histórias verdadeiramente humanas.
Na Sapucaí, Dom Quixote, pela primeira vez e
quatrocentos anos depois, enfrentou seres não imaginários e deixou o país
propondo educação, saúde, justiça social e, principalmente, honestidade. Deixou
o Brasil ouvindo o povo cantar que “um filho teu não foge à luta”. Tomara que o
cavaleiro andante vença sua batalha na avenida. Tomara que o povo brasileiro
vença mais essa batalha no Brasil.
Extraordinário. A leitura do enredo foi perfeita. O Brasil coube em sua interpretação. Belo texto.
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