terça-feira, 29 de março de 2016

A rodovia e o coração da bailarina

JM Cunha Santos


Costumava o povo dizer, quando as coisas não andavam, que haviam enterrado uma caveira de burro naquele lugar. Foi assim, na BR 135, a porta de entrada e saída de São Luís. Não se omitam culpas, por favor. Principalmente não se omitam as culpas do DENIT, do Governo Federal. E está perfeitamente correto o governo do Estado ao pedir a intervenção da Justiça para que, pelo menos, lhe permitam recuperar emergencialmente a BR.
O coração da bailarina não esperava por uma bala. Afinal, tudo o que ela tinha feito em vida fora dançar e encantar o mundo, pisar o chão batido de sua cidade, o chão do Maranhão ferido pela inépcia. Ela nem sabia que artistas podem virar tragédias, mas como todo maranhense, sabia das tragédias que marcaram àquela BR. Das vidas perdidas, dos sonhos interrompidos quando ela mesma só o que sabia era fazer sonhar. Ao som dos tambores, dos atabaques, ao som da solidão de um povo durante décadas abandonado pela falta de lucidez política que assaltou o Maranhão,
A bailarina é morta como tantos outros que perderam a vida na estrada que ganhou o inevitável apelido de “Rodovia da Morte”. Mas é como se essas emoções pertencessem somente a nós do Maranhão, não fossem capazes de tocar os corações dos responsáveis pela recuperação e manutenção da BR 135. Hoje, São Luís é praticamente sem entrada e sem saída como são os corações que não pulsam diante dos problemas de um povo, diante da violência cada vez mais difícil de controlar.
Duas violências são cometidas aqui. Os trovões da política estão a paralisar o país, a rodovia, o coração do Brasil e os trovões que as armas disparam a paralisar a dança, o movimento dos corpos, a confinar nas gargantas o canto de quem só espera ser e fazer feliz. Ana não dançará mais aqui. No céu, inevitavelmente. Entre anjos e harpas, cantando e dançando com todos os que pereceram na BR 135 onde ela mesma pereceu.
Se puderem, entretanto, ouvir seu último grito que, para tristeza de todos nós, pela primeira vez não foi nenhuma nota musical, ouçam e espalhem pelo mundo. Seu grito ajudará a salvar outras vidas, outras rodovias. Pode ser que seu grito ajude a salvar o Brasil.

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