Em entrevista exclusiva ao 247, o governador do Maranhão, Flávio Dino,
que é um dos quadros políticos mais lúcidos do País, faz ponderações que
merecem a reflexão urgente da classe política e de toda a sociedade: (1)
"um impeachment sem base jurídica não seria um ponto final, mas o início
de um longo ciclo de vinganças, retaliações e violência"; (2) “o Brasil
tem hoje uma classe dominante, representada pelo capital financeiro e pelos
meios de comunicação, subversiva e que decidiu atear fogo às próprias vestes”;
(3) “a tarefa urgente até o dia 13 é evitar violência; depois disso, Dilma terá
que chamar todas as forças políticas ao diálogo e a oposição terá que
reconhecer que o calendário eleitoral é 2018”; ele, que passou em primeiro
lugar no mesmo concurso para juiz federal prestado por Sergio Moro, afirma
ainda que o ambiente de ódio fez com que o gênio do fascismo saísse da garrafa
– “e agora não conseguem colocá-lo de volta”
Por Leonardo Attuch, de São Luís (MA)
Aos
47 anos, o governador do Maranhão, Flávio Dino, vive uma situação atípica na
política brasileira. Após 14 meses à frente do Palácio dos Leões, ele é
aprovado por praticamente 70% da população maranhense. Os dois clãs políticos
que são seus principais adversários, os Sarney e os Lobão, foram atingidos pela
Operação Lava Jato. E ele, que foi juiz federal antes de ser político, tendo
passado em primeiro lugar no mesmo concurso prestado por Sergio Moro, hoje
reúne as condições políticas e jurídicas para fazer uma leitura precisa do
quadro atual.
Segundo
Dino, nenhum arranjo político será capaz de conter o ímpeto da Lava Jato, dada
a força vital adquirida pela operação. No entanto, ele afirma que ainda há
espaço para que as forças políticas que construíram a democracia no Brasil
encontrem saídas para conter a escalada do ódio, da intolerância e do fascismo.
“Caberá à presidente Dilma, após o dia 13, convocar esse diálogo, e a oposição
terá que reconhecer que o calendário eleitoral é 2018, e não agora”. Segundo
ele, o impeachment é a pior das alternativas, porque abriria um longo ciclo de
vingança e violência política no País, com prejuízos seríssimos para a
economia. Leia, abaixo, a íntegra da sua entrevista:
247 – O Brasil vive hoje um momento inédito de confrontação
política e está às vésperas dos protestos de 13 de março. Qual a sua leitura do
quadro atual?
Flávio Dino – É um momento
gravíssimo e todas as forças comprometidas com a democracia têm duas tarefas
urgentes. A primeira é evitar confrontos que descambem em violência no dia 13.
A segunda é discutir o que fazer no dia seguinte. Hoje, a conjuntura é
totalmente distinta da de 1992, quando houve o impeachment do ex-presidente
Fernando Collor. Naquele momento, o processo foi conduzido pelo Congresso e pelas
forças políticas organizadas. Hoje, nem se pode dizer que o sistema político
implodiu. Ele foi explodido por um novo agente político, chamado Lava Jato, que
está muito longe de exaurir seu dinamismo.
247 – O maior empreiteiro do País, Marcelo Odebrecht,
acaba de ser condenado. Além disso, há sinais de que o ex-presidente Lula
poderá ser implicado. Não seria um sinal de que se estaria chegando ao topo e,
portanto, ao fim da narrativa?
Dino – Seguramente, não. A energia vital dessa
operação adquiriu força própria e corresponde a um ethos social, de combate à
corrupção, muito presente no Brasil e no mundo. Pode haver algum temperamento,
alguma modulação dos seus efeitos, mas não o seu fim. Além disso, existem
muitos fatos a ser apurados, que não poderão ser engavetados. O ponto é que a
Lava Jato corresponde ao ápice da chamada judicialização da política, um
fenômeno que vem desde o mensalão. A Lava Jato também se tornou um ator que
ganhou estatura e hoje tumultua o jogo político-institucional.
247 – Como a presidente Dilma Rousseff poderia
conter essa instabilidade?
Dino – O erro cometido pelo governo federal
foi acreditar que a política estabilizaria a economia. Todos os movimentos de
reforma ministerial, por exemplo, foram nessa direção de ampliar a base de
sustentação no Congresso. No entanto, sempre que se atinge uma certa paz, vem a
Lava Jato e tumultua novamente o processo. Portanto, a lógica deve ser
invertida. É a economia que deve estabilizar a política para que a presidente
Dilma Rousseff reconquiste a credibilidade e volte a ser condutora do processo
político.
247 – Uma primeira medida, para ampliar o crédito
imobiliário pela Caixa Econômica Federal, acaba de ser anunciada.
Dino – É um passo ainda muito pequeno e
não inserido numa política ampla de retomada do crescimento. Hoje, a presidente
Dilma precisa de uma política econômica mais corajosa e mais ousada. É o que eu
faria se estivesse no lugar dela.
247 – Voltando à instabilidade política, como o sr.
avalia a condução coercitiva do ex-presidente Lula na última sexta-feira?
Dino – Todas as medidas coercitivas ou mesmo
as prisões processuais classicamente devem obedecer ao princípio da
proporcionalidade. Não se pode fazer o uso imoderado da força. Isso vale tanto
para o guarda da esquina como para qualquer juiz. O ex-presidente Lula foi
intimado várias vezes. Em todas elas, compareceu ou respondeu por escrito – o
que é um direito seu. Portanto, não entendi a adequação e a necessidade da
medida adotada pelo juiz Moro.
247 – A tensão da última sexta-feira era
previsível?
Dino – É evidente que sim. Qualquer
agente público, como diria Weber, tem que pensar na ética das consequências, ou
na ética da responsabilidade. O que se conseguiu foi criar muito barulho para o
mesmo resultado jurídico. Teria sido possível alcançar processualmente o mesmo
resultado sem o caos da última sexta-feira. E, por sorte, não aconteceram
coisas mais graves.
247 – Qual é a sua avaliação sobre a escalada do
ódio na sociedade brasileira?
Dino – É assustador. A tradição
brasileira sempre foi a capacidade de resolver conflitos por meio do diálogo e
da conciliação. Esse novo traço do brasileiro tem um traço muito preocupante,
que é a falta de razoabilidade. O ódio que já havia nas redes sociais
transbordou para as ruas e o nome disse é fascismo. Tiraram o gênio do fascismo
da garrafa e agora não sabem como colocá-lo de volta.
247 – A oposição contribui para esse estado de
coisas?
Dino – Olha, me causa muita estranheza
que partidos que participaram da luta democrática, como é o caso do PSDB,
contribuam para esse caldo de cultura. O PSDB foi um ator importante da luta
democrática e hoje contribui para esse caos, que abre as portas para o
imponderável.
247 – No fim de semana, o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso sinalizou a disposição de dialogar.
Dino – Espero que isso realmente ocorra. Não
há saída fora do jogo institucional, que convencionamos chamar de Estado
Democrático de Direito.
247 – O quadro atual, muitos dizem, só favorece
outsiders como o deputado Jair Bolsonaro.
Dino – Fora da institucionalidade, tudo
pode acontecer. O que me espanta também é a irresponsabilidade da classe
dominante brasileira, representada pelo capital financeiro e pelas empresas de
mídia, que não se deram conta disso.
247 – Como assim?
Dino – O Brasil tem hoje uma classe
dominante subversiva, que decidiu atear fogo às próprias vestes. Quando digo
classe dominante, eu me refiro aos grupos dominantes de mídia. Parafraseando
Marx, que dizia que o partido seria a vanguarda da classe operária, os grupos
de comunicação são a vanguarda da classe dominante, daquele 1% que controla a
riqueza do País. E estes grupos decidiram jogar o Brasil numa conflagração que
vai contra seus próprios interesses.
247 – Alguns imaginam que o eventual impeachment da
presidente Dilma será um passeio no parque.
Dino – Imagina! Essa é a pior de todas as
soluções possíveis. O impeachment, longe de estancar o processo de conflagração
social, agudizaria a situação. É preciso ser dito com clareza: o impeachment
não seria um ponto final, mas o marco zero de um longo ciclo de vinganças,
retaliações e violência política, que arrastaria a economia para uma depressão
ainda maior. Isso não é bom para ninguém, nem para os interesses de classe da
elite dominante, que hoje está fomentando a desorganização completa de tudo.
Quem ganha com isso? Você vai para imprevisibilidade. E o discurso econômico
dominante prega que a previsibilidade é essencial para a retomada do
crescimento.
247 – O MST já falou em fechar estradas, a CUT
lançou movimentos de resistência democrática e há sinais de que um golpe branco
demandaria um regime de força. O sr. concorda?
Dino – É evidente. É o que aconteceria se
houvesse essa insanidade do impeachment. É algo tão irresponsável, tão absurdo,
que eu não consigo imaginar que isso passe a sério pela cabeça de alguém.
247 – Abordando outro tema que movimentou o
noticiário político: existe delação premiada do senador Delcídio Amaral?
Dino – Do ponto de vista técnico, não. Ela só
existirá quando vier a ser homologada – e se for homologada. O que existe hoje
é um suposto delator que nega o teor das informações que vazaram. E que pode
até se retratar caso tenha dito algo. Aparentemente, não houve nenhum ato
jurídico formal.
247 – Mas embora não exista ato jurídico, a
suposta delação foi tratada como verdade por alguns meios de comunicação.
Dino – Isso é próprio do clima geral que
vivemos, que vai levando a uma irracionalidade coletiva, onde o absurdo se
transforma em verdade. Um tema que não está posto juridicamente se transforma
em tema de debate.
247 – Mas já que se transformou em tema de debate,
há algo que aponte para um crime de responsabilidade da presidente Dilma?
Dino – Nada. O que se diz é que ela
teria influído na escolha de um ministro do Superior Tribunal de Justiça. Ora,
se a indicação é uma prerrogativa da presidência da República, onde está o
crime de responsabilidade? A escolha foi feita de acordo com as regras
constitucionais. Se uma escolha foi partidarizada, como dizem, todas foram. A
regra é clara: o presidente da República indica e o indicado é sabatinado pelo
Senado. Ao ser sabatinado, ele dialoga com todos os senadores. Ou seja: não há
nada de anormal nisso. Só há crime de responsabilidade, quando há infração à
Constituição. Como o ministro foi escolhido sob as regras constitucionais, não
há nada.
247 – Depois do dia 13, será possível construir a
paz política no País? O empresário Abilio Diniz, por exemplo, sugeriu que
Dilma, Lula, FHC e Michel Temer se tranquem numa sala até encontrar a saída. O
sr. concorda?
Dino – Eu tenho insistido nisso há algum
tempo. E cabe à presidente Dilma Rousseff convocar esse entendimento. Mas isso
envolve uma premissa. Que todos reconheçam que há um momento adequado para o
enfrentamento político, que é a eleição de 2018. Ou seja: cabe à oposição esta
concessão democrática. Reconhecer que o calendário eleitoral é 2018 – e não
agora. E cabe à presidente Dilma ampliar o diálogo, passando a ouvir todas as
forças políticas. Ninguém pode se apegar a dogmas diante de uma crise tão
profunda.
247 – Antes de ser governador do Maranhão, o sr.
foi presidente da Embratur, que tem a missão de vender o Brasil para os
turistas estrangeiros. Hoje, a cinco meses da Rio 2016, o Brasil se vê à beira
de uma conflagração social. O que o sr. faria se hoje estivesse na Embratur?
Dino – Num determinado
momento, a sociedade brasileira, incluindo suas forças políticas e
empresariais, avaliou que seria bom para o País sediar os Jogos Olímpicos.
Portanto, agora, é hora de corresponder a essa decisão tomada lá atrás com
coerência e responsabilidade. Será vergonhoso para o País chegar a agosto de
2016, na abertura de um evento que celebra a união dos povos, em clima de
conflagração interna. Sem falar no risco que isso implica para quem vem. Se
retomarem a proposta do impeachment, que é a pior das alternativas
institucionais, isso não será – repito – um ponto final. Será o início de um
processo de retaliações múltiplas, num processo que levaria décadas para
cicatrizar. Estão brincando com o País, mas ainda acredito que razão irá
imperar em algum momento.
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