domingo, 1 de maio de 2016

A SALA

JM Cunha Santos


E só daqui que eu vejo o sol menor que a dor
É só daqui que vejo a esperança maior que a loucura
É só nesses bancos que eu canso esse cansaço de ser vil
que misturo agonias com lembranças para encontrar sanidade

É somente aqui que escapo ao triângulo que convulsionou a minha vida
É só aqui que as janelas se rompem para dar passagem ao meu lado bom
É somente aqui que caminho passo a passo sem nenhuma chance de cair

É somente nesta mesa que os livros interrompem meu passado
É somente aqui que a noite não me engole e os fantasmas não deitam no meu cérebro
É só aqui que as luzes estão acesas, sempre, para meus olhos fartos de escuro

É somente aqui que o hoje não acaba e eu não me cuspo obsedado do amanhã
É somente aqui que posso nascer de novo, filho de mais de mil ventres
É somente aqui que Deus não tem igrejas porque reza dentro dos corações

É somente nesses quadros que as profecias embalam sonâmbulos crônicos
É nesse pequeno espaço de desastres e venturas que o mal por si se estanca
Somente aqui o vinho não governa minhas preces e a fumaça não inicia minhas orações

É daqui que vejo a selva de onde eu vim com sangue nos olhos e nos dentes
É só aqui que afasto os terrores, pânicos, alucinações e delírios

É somente aqui, entre bules de café e almas fumegando, que ainda falo com Deus

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