A primeira morte em combate de um toureiro espanhol no século
21 provocou uma tempestade emocional no país e iniciou uma guerra nas redes
sociais.
Víctor Barrio, 29, morreu no sábado (9) na
enfermaria da arena de touros da cidade de Teruel, depois de ter o pulmão
direito e a artéria aorta perfurados pelo chifre do touro Lorenzo, de 529
quilos.
O desfecho atroz foi transmitido ao vivo
pela TV e comoveu o país onde as touradas são uma tradição ancestral. Foi a
primeira vez que uma notícia com esse impacto se tornou viral, com reações de
pesar, mas também de júbilo pela morte do toureiro que chocaram a opinião
pública.
Em posts no Facebook e no Twitter, Barrio foi chamado de
"assassino" e sua morte julgada "merecida", festejada como
uma espécie de vingança do touro ante a crueldade dos humanos. O rapper Pablo
Hasel tuitou: "Se todas as touradas terminassem assim, mais gente iria
vê-las".
O desatar de paixões antagônicas vivido
agora é uma experiência muito diferente da comoção quase unânime vista na
Espanha na última morte de um toureiro profissional, José Cubero Sánchez,
"Yiyo", em 30 de agosto de 1985.
"Naquela época os antitaurinos tinham
pouca força e, além do mais, não havia redes sociais. A reação da sociedade foi
de pesar, de tristeza. Se houve outro tipo de reação, ninguém ficou
sabendo", diz o especialista em tauromaquia Antonio Purroy, professor da
Universidade de Navarra. "Hoje em dia o movimento antitaurino é muito
forte na Espanha, na França, na América Latina", completa.
A Fundação do Touro de Lida, que se dedica
a defender a tauromaquia, anunciou que seus advogados já estão analisando mais
de 50 mensagens consideradas ofensivas que circulam pelas redes sociais. A
entidade decidirá em quais casos os autores serão denunciados à Justiça por
ofensas contra o toureiro morto e sua família.
O Partido Animalista (Pacma), referência
na defesa da abolição das touradas e demais festas populares em que haja
maus-tratos aos animais, condenou a virulência das mensagens.
"Somos contra esses ataques. O que
aconteceu é uma tragédia que só coloca em evidência que a tauromaquia é uma
tradição baseada na violência e na morte. Rechaçamos a violência em todas as
suas formas", disse à Folha a porta-voz do Pacma, Laura Duarte.
O jornalista Rubén Amón, do "El
País", enfrentou uma avalanche de reações negativas a sua crônica "Os
deuses têm sede", na qual chama o toureiro falecido de herói e afirma que
sua morte "simboliza a regra mais temida da tauromaquia: o touro morre, o
toureiro pode morrer".
Amón contou em entrevista ao canal de TV
Antena 3 que recebeu até ameaças de morte e que o jornal teve que suspender os
comentários a seu texto na internet: "Foi como se estivéssemos enterrando
um genocida".
Personalidades espanholas ligadas à defesa
dos direitos animais também repeliram os comentários vistos em redes sociais. O
apresentador de TV Frank Cuesta (conhecido como "Frank da selva")
postou um vídeo no Facebook que já teve mais de 1 milhão de visualizações e 24
mil compartilhamentos.
"Ninguém ama mais os animais por se
alegrar pela morte de um toureiro", afirmou Cuesta. "Me parece uma
autêntica selvageria o que se está publicando nas redes sociais. Dá medo."
CORRIDAS
A morte de Víctor Barrio aconteceu no
verão europeu, auge da temporada taurina, em Teruel, a 270 km de Pamplona, onde
esta semana se celebram as festas de São Firmino, os mais famosos
"encierros" de touros da Espanha.
A cada manhã, uma pequena manada de touros
percorre as estreitas ruas do centro histórico de Pamplona cercada por uma
multidão que tenta acompanhar seu ritmo de corrida.
O circuito termina na arena de touros,
onde à tarde eles serão sacrificados. Estima-se que até 50 mil touros morram a
cada ano na Espanha, a maioria em festejos populares de rua.
Ao contrário das touradas tradicionais,
que vêm perdendo público nos últimos dez anos, as festas de rua são a cada ano
mais concorridas. É nessas festas que se registra a maioria das mortes, tanto
de touros como de seres humanos.
Na mesma noite em que Barrio foi retirado
desfalecido da arena, um homem de 28 anos morreu ao ser corneado por um touro
em Pedregón, próximo a Valência. Na Comunidade (Estado) de Valência realizam-se
8.300 festas de touros a cada ano, a maioria no verão.
Este ano, foi proibida a tradicional festa
do Toro de La Vega, em Tordesilhas (Castilha e Leão), que consiste em soltar um
touro no centro da cidade para que os habitantes o alvejem com lanças até
provocar a sua morte. (Folha de SP)
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