A Operação Lava Jato investiga o pagamento de propinas em cinco
contratos do Banco do Brasil de fornecimento de softwares e serviços de
informática, que somados ultrapassam os R$ 150 milhões. Documentos obtidos pela
Polícia Federal, em Curitiba, indicam que uma “empresa de fachada”, acusada de
corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobrás, recebeu percentuais de até 10%
nos negócios com o banco, fechados entre 2008 e 2010, como “comissão”.
É a primeira frente da Lava Jato de investigação em contratos do Banco
do Brasil, desde que a operação foi deflagrada, em março de 2014, em Curitiba.
Até aqui, negócios da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estavam sob suspeita.
O Banco do Brasil, por meio de sua assessoria de imprensa, informou
neste sábado, 31, que o Conselho Diretor “determinou a realização imediata
de auditoria interna dos principais contratos da área de tecnologia,
firmados desde 2008”. “O Banco do Brasil irá avaliar resultados dos trabalhos para
eventual adoção de providências cabíveis.”
São quatro contratos e um aditivo contratual que estão sob apuração,
desde junho. As contratadas do banco são a Ação Informática Brasil, a PBTI
Soluções e a CTIS Tecnologia. As três são fornecedoras de serviços de
tecnologia da instituição estatal e atuam no Brasil como representantes de
desenvolvedoras de softwares, como as norte-americanas Oracle Corporation e BMC
Softwares.
A Ação, PBTI e CTIS passaram a ser investigadas depois da
identificação, pela força-tarefa, de pagamentos feitos por elas para a
Credencial Construtora, Representações e Participações – firma que estava na
mira dos investigadores. Seus donos são acusados de corrupção em contratos da
Petrobrás, com repasses de valores comprovados para o ex-ministro da Casa Civil
José Dirceu – preso e condenado, em Curitiba.
Entre 2009 e 2010, as três contratadas do Banco do Brasil transferiram
um total de R$ 8,1 milhões para a Credencial, revelou quebra de sigilo
decretada por ordem do juiz federal Sérgio Moro.
Para os investigadores, a firma – que entrou no radar da Lava Jato
porque recebeu, entre 2010 a 2013, R$ 29,76 milhões de fornecedoras da
Petrobrás – é uma “fantasma” usada para pagar propinas a agentes públicos e
políticos. “A empresa (Credencial) teria recebido valores milionários das
empreiteiras, e ainda de outras empresas, sem que tivesse tido despesas
equivalentes ou estrutura aparente para prestar qualquer serviço a elas”,
informa o Ministério Público Federal.
Aberta em 2004, em Sumaré (SP), a Credencial movimentou milhões com
grandes quantias de saques em espécie, mas não têm funcionários nem sede com
estrutura física. Os donos, Eduardo Meira e Flavio Macedo, foram presos pela
Lava Jato, em maio, alvos da 30ª fase, batizada de Operação Vício, por
envolvimento em corrupção.
Caminho do dinheiro
Com a informação de que três empresas do mesmo setor com contratos
públicos haviam pago a Credencial, a Polícia Federal intimou para que
elas prestassem esclarecimentos. A Ação, a PBTI, a CTIS e seus executivos
informaram em junho que a firma que seria de fachada prestou serviço de
“intermediação” e “agilização” em contratos com o Banco do Brasil. Nenhuma das
empresas cita propina, mas sim, “comissão”.
A PBTI informou que a Credencial atuou e ajudou na “agilização” de três
contratos com o Banco do Brasil, todos assinados no critério inexigibilidade de
licitação – por envolverem produtos exclusivos de informática fornecidos por
ela. Os negócios que tiveram participação da investigada envolviam altos
valores – R$ 50 milhões, R$ 36 milhões e R$ 12 milhões.
Em um deles, assinado em 29 de dezembro de 2009, registra que a
“remuneração (da Credencial) correspondera a 10% do valor que vier a ser
efetivamente contratado / recebido”. O documento foi entregue pela direção da
PBTI à Polícia Federal, em 2 de junho. Ao todo, a empresa de tecnologia pagou
R$ 2,68 milhões para a Credencial, entre abril de 2009 e janeiro de 2010,
segundo mostra a quebra de sigilo.
A empresa apresentou ao delegado Filipe Hille Pace, que conduz o inquérito,
os contratos com a Credencial, notas fiscais, recibos das transferências e as
cópias dos contratos com o Banco do Brasil, além de outras duas propostas de
negociações intermediadas pelos investigados, mas que não resultaram em
negócio.
Suspeita
Além da presença não explicada da Credencial como consultora em
contratos de tecnologia do banco, levantou suspeitas a forma como a empresa foi
incluída nas negociações com a Ação Informática e da CTIS Tecnologia,
informaram investigadores ouvidos em reservado pela reportagem.
Executivos e dois ex-sócios da Ação e da CTIS informaram que a
“consultoria” dos donos da Credencial foram indicadas por terceiros que estavam
diretamente envolvidos nos negócios.
A Ação Informática assinou contrato com o Banco do Brasil em março de
2009 para fornecer softwares e serviços, pelo valor de R$ 53,2 milhões. A
empresa – que desde dezembro de 2015, foi integralmente vendida para a
norte-americana Ingram Micro – repassou no mesmo ano R$ 4,9 milhões para a
Credencial.
Em depoimentos prestados no dia 24 de junho, para a PF, Enio Issa e
Maurício David Teixeira, dois ex-sócios da Ação, declararam que um
representante da multinacional Oracle e um executivo da brasileira Memora
Processos Inovadores orientaram que ele pagasse a “comissão” para a Credencial.
“A única relação que a Ação teve com a Credencial foram os pagamentos
efetuados a pedido do representante da Memora em virtude do procedimento
licitatório do Banco do Brasil”, afirmou Maurício Teixeira, ex-vice-presidente
da Ação e responsável pela área de contratos com governo, na época.
A Memora era uma das concorrentes da Ação no pregão realizado pelo Banco
do Brasil – ambas como revendedoras do sistema de informática da Oracle. As
três empresas negaram, por meio de suas assessorias de imprensa,
irregularidades no negócio.
Cobra
No contrato da CTIS Tecnologia, o presidente da empresa, Alvadir da
Silva Oliveira, afirmou em depoimento prestado no dia 28 de junho, em Curitiba,
que a Credencial foi indicada para participar da negociação por uma
subsidiária do banco, a Cobra Tecnologia, que atualmente se chama Banco do
Brasil Tecnologia e Serviço (BBTS).
“Em 2008, o Banco do Brasil comprou a Nossa Caixa e a CTIS, naquela
época, tinha um contrato válido com este banco, com previsão de quatro anos, de
abril/2005 a abril/2009. Era um contrato expressivo na ordem de 14 milhões de
reais por ano. O Banco do Brasil acenou que o contrato não seria renovado e que
ele seria substituído”, contou Oliveira.
“Em reunião com a comissão da transação, foi verificado que a
substituição do contrato seria feito por uma subsidiara do Banco do Brasil
tratando-se da empresa privada Cobra Tecnologia (atual BB Tecnologia)”,
explicou o executivo da CTIS. “Pediram que os sócios da Credencial auxiliassem
na discussão com a empresa Cobra.”
A CTIS pagou R$ 489 mil em 2009 para a Credencial.
Beneficiários
Em um dos contratos da PBTI e Credencial, que resultou em negócio com o
banco, consta que a acusada presta “serviços especializados” na busca de
clientes novos ou existentes “utilizando sua metodologia de inteligência
competitiva”. O objetivo da força-tarefa da Lava Jato é descobrir qual é a
“inteligência competitiva” que detém a Credencial para receber comissões
milionárias.
A Lava Jato analisa as quebras de sigilos da Credencial para tentar
identificar quem foram as beneficiárias de pagamentos no período em que ela
recebe da Ação, da PBTI e CTIS, para chegar a possíveis agentes públicos e
político que possam ter se envolvido em crimes de corrupção nos contratos do
Banco do Brasil.
Ministério Público, Polícia Federal e Receita Federal têm elementos para
acreditar que a sistemática de corrupção descoberta na Petrobrás, comandada
pelo PT, PMDB e outros partidos da base aliada, era espelhada em outros órgãos
federais, como o Banco do Brasil e outros, como Ministério do Planejamento,
Eletrobrás e Valec – já com inquéritos em fase avançada.
A PBTI informou que já se manifestou nos autos e que está colaborando.
Os representantes da CTIS não responderam aos questionamentos.
COM A PALAVRA, O BANCO DO BRASIL
O Banco do Brasil, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que
o “Conselho Diretor determinou a realização imediata de auditoria interna dos
principais contratos da área de tecnologia, firmados desde 2008”. “O Banco do
Brasil reafirma a segurança de seus processos licitatórios”, diz a nota.
“O BB irá avaliar resultados dos trabalhos para eventual adoção de
providências cabíveis.”
O banco informou ainda que a Credencial Construtora não tem participação
em negócios com a estata. “O Banco do Brasil não possui nenhum relacionamento
comercial com a empresa Credencial.”
A nota informa ainda que a PBTI foi contratada diretamente por
“inviabilidade técnica e econômica de adoção de uma outra solução tecnológica”.
“O processo de aquisição atendeu a todos os requisitos previstos nas instruções
internas do Banco e na legislação que regula as contratações de bens e serviços
na administração pública.”
O Banco do Brasil informou ainda desconhecer “a existência de qualquer
orientação para a Banco do Brasil Tecnologia e Serviços (antiga Cobra
Tecnolgia). “Esse procedimento não faz parte da política institucional do
Banco.”
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