Em uma investigação que apura o pagamento de
propina em obras da ferrovia Norte-Sul, o ex-presidente José Sarney é apontado
por delatores da Odebrecht como beneficiário de repasses que somam quase 800
mil, no que foi identificado até o momento na ‘Planilha da Propina’ da
empreiteira. De acordo com o ex-executivo Pedro Carneiro Leão Neto, os
pagamentos eram feitos a Ulisses Assad, então diretor da Valec, que se referia
ao político do Maranhão como ‘o Grande Chefe’ e ‘Bigode’ para solicitar a
propina na obra.
“Era claro, em minha percepção, que os valores
ilícitos eram destinados a José Sarney ou a quem ele viesse a indicar, sendo
que Ulisses nunca especificou se e como a vantagem indevida era compartilhada
entre os beneficiários”, disse Pedro Carneiro Leão.
De acordo com os delatores, pessoas ligadas ao
ex-presidente receberam entre 2008 e 2009 cerca de 1% sobre o contrato das
obras da ferrovia tocadas pela construtora.
Leão relata em seu depoimento diversos encontros
com Assad, incluindo uma vez em que os dois foram até a casa do ex-presidente,
em Brasília.
Segundo o delator, Ulisses não precisava se
identificar ‘perante os seguranças que ficavam em frente da residência’,
demonstrando intimidade com a família. Assad também costumava reiterar em suas
conversas a intimidade com a família Sarney, sem expressar o nome do
ex-presidente, mas fazendo gestos como o que imita o bigode do político.
Os repasses a Assad e a pessoas supostamente
ligadas a Sarney eram feitos pelos codinomes ‘Bob Marley’, ‘Trio Elétrico’ e
‘Quatro Queijos’, na planilha da propina da Odebrecht.
Além dos pagamentos ao grupo de Sarney, outros 3%
de propina sobre o contrato seriam destinados ao grupo político do ex-deputado
Valdemar da Costa Neto (PR), liderado por José Francisco das Neves, o ‘Juquinha’.
De acordo com Pedro Leão, a Odebrecht não contava,
inicialmente, com esse pagamento de propina nas obras da ferrovia. Segundo ele,
na Valec, havia dois grupos políticos, um liderado por Valdemar Costa Neto e
outro pelo PMDB do Maranhão, liderado pela figura de José Sarney. “A informação
[pagamento de propina] foi uma surpresa, porque não estávamos contando com
isso. Eu neguei inicialmente de fazer essa contribuição”, contou o delator, que
passou a receber ameaças dos dois grupos políticos, sobre as possíveis
dificuldades de tocar a obra.
As informações dos delatores constam do pedido de
abertura de inquérito contra o deputado federal Milton Monti (PR-SP), que tem
foro privilegiado no Supremo. Monti também é apontado por atuar ‘na cobrança de
vantagem indevida, sendo a propina paga por meio do Setor de Operações
Estruturadas do Grupo Odebrecht’.
Os depoimentos dos delatores que envolvem Sarney e
Valec serão enviados à Justiça Federal em Goiás, onde já há uma apuração sobre
a formação de cartel e outras irregularidades na construção da ferrovia
Norte-Sul e Integração Leste-Oeste.
Apesar das citações, Sarney não é investigado.
Obra. O projeto da Ferrovia Norte-Sul, que liga
Anápolis (GO) a Palmas (TO), foi iniciada no governo de José Sarney. Mais de 20
anos depois, o projeto foi ampliado pelo Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente, ele prevê
ligar Açailândia, no Maranhão, até Rio Grande, no Rio Grande do Sul.
COM A PALAVRA, O ADVOGADO ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO KAKAY,
DEFENSOR DE SARNEY
“O presidente Sarney
não é citado diretamente, mas ‘pessoas ligadas a ele’. No meio desta confusão
levar em consideração ‘pessoas ligadas’ é quase uma irresponsabilidade. O
presidente Sarney não é citado. Na realidade está havendo uma grande injustiça
aí. Fala-se em ‘pessoas ligadas’ a ele. Qualquer jurisprudência razoavelmente
garantista, não precisa nem ser garantista, entende que ouvir dizer não pode
ser motivo sequer de investigação. Essa versão completamente aberta de ‘pessoas
ligadas’ não comporta sequer uma investigação sobre o presidente. O sr. João
Pacífico é uma pessoa experiente. Se tivesse qualquer coisa contra o presidente
Sarney ele teria que ter dito.
Eu conversei com o presidente, há uma negativa veemente de qualquer tipo de
participação. Essa é uma história antiga e, agora, mal requentada na realidade.
Porque não é imputado ao presidente nada diretamente. Veja que com todos esses
escândalos em que aparecem outros quatro ex-presidentes, o presidente Sarney
nunca aparece. Eu insisto em afirmar isso. É uma leviandade afirmar que o nome
dele aparece. Quando se diz ‘pessoas ligadas a’, eu pergunto: mas ligadas a
quem? Ligadas emocionalmente? Politicamente? Temos que ter muito cuidado nesse
momento em que todo mundo está na berlinda. O presidente Sarney, reitero, não é
citado nenhuma vez. Zero. Falar simplesmente ‘pessoas ligadas a ele’, sem
imputar nada ao presidente e, de alguma forma, trazê-lo para este círculo
perigoso, é falta de seriedade da acusação.”
(Estadão)
(Estadão)
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