JM Cunha Santos
Aquela coisa incômoda, que não para de
miar, que provoca sinistrose nos ouvidos, alimenta insônias, espalha sensações
de impotência, causa um misto de pavor e autopiedade, ganindo, gemendo,
pedindo, exigindo sempre mais, impondo a voz acima de todas as outras vozes,
era assim.
Como uma quadrilha de gatos famintos
espalhando os pelos nas dispensas, esvaziando todas as dispensas, rompendo a
lei do silêncio e todas as outras leis, interpretando a legislação como óperas
bufas de mascates vendendo a alma, presente, onipresente, comendo tripas,
fedendo a peixe, eternizando o som de sirenes na madrugada, era assim.
Tornando as noites mais noites, o escuro
mais escuro e os pesadelos ainda mais pesados, jantando o sossego alheio,
roubando dignidades, interrompendo o direito de dormir e descansar das
injustiças, praticando fezes e odores insuportáveis, engolindo aspas, vírgulas
e reticências, golfando ilusões, pantomimas e engodos, justificando o
injustificável com berros e indignações teatralizadas, era assim.
Ao cio de seus comparsas siameses,
desmentindo o universo, filósofo da ladroagem, sociólogo das elites felinas,
cicatrizando o futuro de gerações mal dormidas, patrocinando a gula da gataria
nos fogões, nas panelas, nos cofres, nas geladeiras, imponente, impermeável,
intocável semideus de gatunagens eletivas, cuspindo a gosma de uma legislação
privatizada, era assim.
E eis que, liderando a turba de felídeos
predadores, dissocia-se dos humanos para justificar os crimes das lagartixas,
insetos e roedores que, sem nenhuma piedade, consomem a alma, a carne e os
ossos de um país.
Magistrado das ventanias, excelência dos
conchavos, fuçador das malas grandes, é o rei; gato entre gatunos, servidor da
gatunagem, condestável dos piolhos, impõe seu miado como o rugido de um leão. E
sente-se a fera notívaga das madrugadas não dormidas, contra os desempregados,
os desamparados, os desassistidos, os envergonhados, os ludibriados que pagam
com fome e insônia o preço da corrupção.
Manda Chuva dos telhados de vidro atira
pedras na vizinha sociedade, rosna, bufa, incha o cérebro em defesa de
parasitas, espirra antídotos legais contra a honestidade, contamina as
instituições, distribui abcessos jurídicos e sente-se maior, porque, de seu
telhado inimputável, infecciona toda uma Nação.
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