JM Cunha Santos
“A bola rola e é gol da fome”, disse uma
vez o poeta tangido pela pobreza circundante em seu país quando, em pleno vigor
da ditadura militar o “escrete canarinho” era usado para mascarar de democracia
um regime de exceção e doirar situações extremas de penúria, torturas, mortes e
autoritarismo.
A “pátria de chuteiras” orgulha-se agora
de donatária do craque mais caro do mundo. O passe de Neymar custou mais de R$
800 milhões e seu salário alcançará a estratosférica quantia de R$ 115 milhões
por ano. O craque receberá, por um contrato de 5 anos, algo além de meio bilhão
de reais. Toda essa enormidade de dinheiro para chutar na direção certa uma
bola de futebol.
Nesse mundo de guerras fratricidas
provocadas pela miséria, de fome e desemprego, de crianças sem escola, sem
saúde e sem alimento, de refugiados se afogando em marés de inanição, não me
parece que esse deva ser um motivo de orgulho para o Brasil. Nem para o Brasil,
nem para o Paris Sain’t Germant, nem para a Espanha, nem para país nenhum.
É um desrespeito, uma humilhação para
com uma humanidade cuja maior parte navega um mar de desgraças e muito
sofrimento. No Brasil em que a pusilanimidade política faz com que uma Reforma
Trabalhista corroa direitos seculares dos trabalhadores e uma Reforma
Previdenciária pretende transformar aposentados e pensionistas em velhos
esmolengos disputando moedas, esse monumento ao capitalismo selvagem e à
alienação soa como crime nas panelas e pratos vazios do subemprego e da
desnutrição.
Esse espetáculo, o futebol, que altera
níveis de adrenalina ao redor do mundo e reúne multidões incalculáveis em suas
arenas romanas, certamente merece seus heróis. Mas sinceramente a fila de
aleijados e desassistidos nas portas dos hospitais da América do Sul, os
esqueletos ambulantes da África Oriental, a adolescência e a infância tangidas
ao crime pela fome e desorientação também são espetáculos, se não dignos de
euforia e supremação, pelo menos de assistir e observar.
“Neymar não tem nenhuma culpa disso”,
dirão muitos ou todos. Sim, ele não tem culpa. Ninguém tem. São esses apenas
testemunhos infalíveis de que, diante de Deus, ou da ideia de Deus, a
humanidade fracassou.
Mas é gol. O mundo grita gol, o Brasil
grita gol, ninguém está obrigado a refletir sobre nada disso. Vamos comemorar.
Agora pense nas "excelências" da Magistratura e Parquet, nos "barões" do Executivo e nos "nobres edis" do Legislativo ganhando, de dinheiro público, diferente do jogador Neymar, salários celestiais para encenar pífia Justiça num país de falácias.
ResponderExcluirApenas não me denota justo chamar ao famigerado capitalismo de causador. Antes mesmo deste ser, o ser humano já era e, qualquer que seja seu sistema, modelo, programa de organização, a culpa é, sempre foi e sempre há de ser, do "ser humano".