segunda-feira, 7 de agosto de 2017

O salário de Neymar é um desrespeito com a humanidade

JM Cunha Santos


“A bola rola e é gol da fome”, disse uma vez o poeta tangido pela pobreza circundante em seu país quando, em pleno vigor da ditadura militar o “escrete canarinho” era usado para mascarar de democracia um regime de exceção e doirar situações extremas de penúria, torturas, mortes e autoritarismo.
A “pátria de chuteiras” orgulha-se agora de donatária do craque mais caro do mundo. O passe de Neymar custou mais de R$ 800 milhões e seu salário alcançará a estratosférica quantia de R$ 115 milhões por ano. O craque receberá, por um contrato de 5 anos, algo além de meio bilhão de reais. Toda essa enormidade de dinheiro para chutar na direção certa uma bola de futebol.
Nesse mundo de guerras fratricidas provocadas pela miséria, de fome e desemprego, de crianças sem escola, sem saúde e sem alimento, de refugiados se afogando em marés de inanição, não me parece que esse deva ser um motivo de orgulho para o Brasil. Nem para o Brasil, nem para o Paris Sain’t Germant, nem para a Espanha, nem para país nenhum.
É um desrespeito, uma humilhação para com uma humanidade cuja maior parte navega um mar de desgraças e muito sofrimento. No Brasil em que a pusilanimidade política faz com que uma Reforma Trabalhista corroa direitos seculares dos trabalhadores e uma Reforma Previdenciária pretende transformar aposentados e pensionistas em velhos esmolengos disputando moedas, esse monumento ao capitalismo selvagem e à alienação soa como crime nas panelas e pratos vazios do subemprego e da desnutrição.


Observo que quase 1 bilhão de pessoas ainda sofrem com a fome em todo mundo, vivendo com menos de 1,25 dólares por dia e que o Brasil está entre os 21 países mais miseráveis do planeta. Conferir um salário equiparável a um prêmio da Mega Sena acumulada, todos os anos, a um único ser humano é primeiro reconhecer o fracasso prático e teórico de todas as boas intenções, todas as políticas de elevação moral e espiritual do homem.
Esse espetáculo, o futebol, que altera níveis de adrenalina ao redor do mundo e reúne multidões incalculáveis em suas arenas romanas, certamente merece seus heróis. Mas sinceramente a fila de aleijados e desassistidos nas portas dos hospitais da América do Sul, os esqueletos ambulantes da África Oriental, a adolescência e a infância tangidas ao crime pela fome e desorientação também são espetáculos, se não dignos de euforia e supremação, pelo menos de assistir e observar.
“Neymar não tem nenhuma culpa disso”, dirão muitos ou todos. Sim, ele não tem culpa. Ninguém tem. São esses apenas testemunhos infalíveis de que, diante de Deus, ou da ideia de Deus, a humanidade fracassou.

Mas é gol. O mundo grita gol, o Brasil grita gol, ninguém está obrigado a refletir sobre nada disso. Vamos comemorar.

Um comentário:

  1. Agora pense nas "excelências" da Magistratura e Parquet, nos "barões" do Executivo e nos "nobres edis" do Legislativo ganhando, de dinheiro público, diferente do jogador Neymar, salários celestiais para encenar pífia Justiça num país de falácias.

    Apenas não me denota justo chamar ao famigerado capitalismo de causador. Antes mesmo deste ser, o ser humano já era e, qualquer que seja seu sistema, modelo, programa de organização, a culpa é, sempre foi e sempre há de ser, do "ser humano".

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