Por Vladimir Netto e Mariana
Oliveira, TV Globo, Brasília
Relatório elaborado pela Polícia Federal aponta
indícios de que os senadores Edison Lobão (MDB-MA) e Jader Barbalho (MDB-PA)
foram beneficiados com desvios na obra da usina hidrelétrica de Belo Monte, um
dos maiores empreendimentos para geração de energia do mundo.
Os agentes apontaram suspeita de corrupção passiva
e lavagem de dinheiro por parte dos parlamentares, investigados em um dos
inquéritos da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o
Kakay, defensor de Edison Lobão no caso, disse que tenta autorização de acesso
ao relatório. Ele afirmou que, embora desconheça o teor do documento, acompanha
a investigação e diz que não há elementos capazes de incriminar o senador.
O senador Jader Barbalho afirmou que o relatório é
uma "leviandade" e uma "barbaridade" porque não tem nenhum
fundamento relacioná-lo à obra de Belo Monte.
"Nunca tive nenhum encontro sobre a obra e
nunca recebi nada desta gente, nem telegrama de aniversário".
De acordo com a Polícia Federal, o objetivo do
inquérito é apurar se houve pagamento de propina para políticos, embora a
investigação também tenha apontado indícios de
irregularidades no leilão de Belo Monte.
A suspeita é que as empresas responsáveis recebiam
dinheiro público para executar a obra, e parte dos valores era desviada para
pagamento de propina a políticos
O relatório da PF, concluído em maio, está
atualmente nas mãos da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que poderá
denunciar os parlamentares ao Supremo Tribunal Federal (STF) com base nas
provas já coletadas. O relator do caso no STF é o ministro Luiz Edson Fachin.
Além de depoimentos de delatores das empreiteiras
Andrade Gutierrez e Odebrecht, investigadores identificaram e-mails, registros
de entrada nos prédios, pagamentos registrados no sistema de pagamento de
propina da Odebrecht – o Drousys – e informações sobre entregas dos valores.
Segundo a PF, também há indícios dos mesmos crimes
por parte do filho de Lobão, Márcio Lobão, e do ex-senador Luiz Otávio Campos,
aliado de Jader, que seriam os operadores da propina paga pelas empresas.
Os dois foram alvos da Operação Leviatã, em
fevereiro do ano passado, que recolheu provas para o inquérito.
O advogado Aristides Junqueira, que defende Márcio
Lobão, afirmou que não teve acesso ao relatório e por isso não pode comentar.
Segundo ele, no ano passado, quando foram autorizadas buscas envolvendo Márcio
Lobão, foi uma operação descabida e baseada apenas na palavra de um delator.
Quando foi deflagrada a Operação Leviatã, no ano
passado, o ex-senador negou
envolvimento.
Para a PF, há elementos que indicam que os
parlamentares foram beneficiados.
De acordo com o documento, os parlamentares
"solicitaram, por seus emissários – e, ao que tudo indica, receberam – em
concurso, vantagem indevida em razão da função pública que tinham".
A Polícia Federal justificou no relatório o fato de
não terem sido localizadas provas diretas contra os senadores. Segundo o
documento, autoridades costumam utilizar terceiros para tratativas irregulares,
sem atuar diretamente.
"O emprego de pessoas interpostas por altas
autoridades é expediente habitual (...), não sendo exigível, para a imputação
de responsabilidade penal (...) ser flagrado aventurando-se pessoalmente em
tratativas escusas", diz o documento.
Filho de Lobão
Delatores e depoimentos narraram repasses por meio
de Márcio Lobão, que teria supostamente sido indicado pelo pai para
operacionalizar os valores.
O filho de Lobão, conforme o relatório, se
apresentou aos executivos das empreiteiras do consórcio da obra em uma série de
reuniões individuais em março de 2012, na sede da construtora Andrade
Gutierrez, no Rio.
Essas reuniões ficaram registradas no e-mail do
ex-diretor da Andrade Gutierrez Flávio Barra e na portaria do prédio onde fica
a empresa.
Flávio Gomes Machado, outro ex-diretor da Andrade,
disse que Lobão pediu R$ 500 mil a serem entregues para o filho e relatou que
providenciou R$ 250 mil.
Segundo ele, o dinheiro foi levado em caixa de
camisas com uma sacola. Depois, disse ter recebido reclamação de Márcio Lobão
de que faltavam R$ 10 mil.
"Há, assim, informações convergentes e de
diversificadas origens a indicar a atuação contumaz de Márcio Lobão como
arrecadador financeiro no interesse de seu pai e do grupo político que
integrava", afirma o relatório.
Conforme o documento, chegou a ser negociado
pagamento de R$ 11 milhões a Lobão em 2012.
A PF narrou que uma das entregas teria ocorrido no
final de fevereiro de 2014.
Segundo a investigação, Márcio Lobão esteve na sede
da Odebrecht em 17 de fevereiro para reunião com Ênio Silva. No mesmo dia, Ênio
pediu por email que fosse feito um pagamento de 500 mil reais para o codinome
"Esquálido", que segundo as investigações se trata de Edison Lobão.
Dias depois, o Drousys, sistema de pagamento de
propina da Odebrecht, registrou em 26 de fevereiro de 2014 a liberação de
valores com senha "Cadete".
A operação também constou de planilha de um doleiro
preso, Álvaro Novis, que contou que o pagamento foi feito por uma
transportadora de valores, a Transexpert. A PF diz que foi à Transexpert e um
funcionário confirmou a entrega.
Ex-senador
Segundo os investigadores, durante a construção da
hidrelétrica, as construtoras pediram um reajuste no contrato, por meio de um
aditivo, que aumentaria o orçamento. Para pressionar os políticos, pararam de
pagar propina.
Foi quando, diz o relatório, Edison Lobão chamou
Flávio Barra para uma reunião na casa dele e começou uma nova negociação, com
um novo operador - o ex-senador Luiz Otávio Campos.
Flávio Barra, por orientação de Lobão, disse ter
ido à casa de Luiz Otávio. O novo operador cobrou e ouviu que os pagamentos só
seriam retomados com o aditivo aprovado.
Conforme a PF, apesar de ter sido indicado por
Lobão, o ex-senador tinha "laços fortes com o senador Jader Barbalho e com
o filho Helder Barbalho, que chegou a ser ministro do governo Dilma.
Flávio Barra apresentou Luiz Otávio Campos aos
empresários em 13 e 14 de agosto de 2014 em Brasília. Encontros estavam
registrados no calendário do Outlook do ex-diretor da Andrade.
Segundo as suspeitas, o dinheiro repassado ao
senador chegou a ser depositado em contas de um cunhado dele. Conforme a PF, em
2014, "foram centenas de chamadas envolvendo terminais relacionados a
ambos".
Delações premiadas
No documento de 122 páginas, a PF destaca que o
inquérito foi aberto a partir da delação premiada do senador cassado Delcídio
do Amaral e que recebeu reforço das colaborações de Luiz Carlos Martins, da
Camargo Corrêa; Flávio Barra e Otávio Marques de Azevedo, da Andrade Gutierrez;
Augusto Roque, Antônio Carlos Daia e Henrique Valladares, da Odebrecht.
As suspeitas são de que empresas que atuaram na
obra da hidrelétrica teriam dado vantagens indevidas a PT e MDB em razão de
"compromisso" fechado pela Andrade, ao ganhar a obra, com o então
ministro Antônio Palocci, hoje delator da Lava Jato.
Ex-diretores disseram que políticos pediram
expressamente que 1% do faturamento com a obra fosse destinado ao PT e ao MDB,
dividido em partes iguais.
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