sexta-feira, 6 de julho de 2018

A bola rola e é gol da fome

JM Cunha Santos



Ah, o escrete de 70, os 90 milhões em ação...Pra frente Brasil, do meu coração. Leonid Brejenev comandava o exército mais poderoso do mundo, Richard Nixon ainda estudava espionagem, o cruel ditador Garrastazu Médici insistia em escalar a seleção e a gente respirava o “Milagre Brasileiro”. Milagre da censura, da tortura, do exílio, mas milagre, afinal. E a Jules Rimet seria derretida, da mesma forma como, hoje, Michel Temer derrete o valor do trabalho e a alma do trabalhador. Com José Sarney a tiracolo, ontem, como hoje, protagonistas das desgraças políticas deste país.
Havia fome na minha rua. Eu conhecia os mendigos da cidade, que moravam pendurados na estrada de ferro por onde os trens passavam soltando apitos agonizantes. Mas eu não tinha lido ainda que para Spielberg “O futebol bem jogado é o mais belo espetáculo de imagens do mundo”, nem que para George Orwell “O futebol é uma mímica da guerra” ou que para Joseph Goelbels, o carrasco da propaganda nazista, “Para fazer um povo esquecer a fome ou seus mortos na guerra, uma vitória no futebol pode ser melhor que a tomada e destruição de uma cidade inimiga”.
Havia fome na minha rua, mas quem tinha tempo de sentir fome diante das imagens de Pelé, Gerson, Rivelino, Tostão e Jairzinho com uma bola nos pés?
O infalível Nelson Rodrigues escreveria que “Fora as esquerdas, que acham o futebol o ópio do povo, todos os outros brasileiros se juntam em torno da seleção”. Já foi assim, Nelson Rodrigues. Hoje, temos no Maranhão um governador comunista que além de construir e recuperar mais de 700 escolas em pouco mais de três anos, também consegue ser comentarista de futebol.
Havia fome na minha rua, mas agora é como se aquele tempo voltasse. Chegamos às quartas de final e uma queda de Neymar é motivo para mais comentários e sofrimentos que as quedas sucessivas nos preços das ações da Petrobrás. Registrando, Nelson Rodrigues, a máxima culpa da direita corrupta que hoje governa este país.
É quase como se tivéssemos que enfrentar outro “Milagre Brasileiro”. Se aquele era o milagre da censura, da tortura e do exílio, este é o milagre das malas de dinheiro circulando nos hotéis, inclusive o Hotel Luzeiros do meu humilde Maranhão. É o milagre do aumento diário da gasolina, dos botijões de gás vazios e da lenha queimando, dos sindicatos enfraquecidos por inadimplência compulsória, dos lobos caçados pela Polícia Federal disputando cadeiras no Senado, do golpismo copiado do Brasil para o Maranhão.
E, de milagre em milagre, eu também preciso de um. Não sei como vou pagar a camisa original da seleção que comprei no cartão de um crédito que eu não tenho porque, outro milagre, hoje, Nelson Rodrigues, as esquerdas também se juntam em torno da seleção.
“A bola rola e é gol da fome”, eu escreveria na década de 70 numa canção. E como isso é atual.
Brasil e Bélgica. Quatro a zero para o Brasil.

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