JM
Cunha Santos
A
gente sonhava com um país sem canções proibidas, sem livros proibidos, sem
polícias secretas nas escolas e universidades, sem jornais empastelados pela
censura, sem reuniões vigiadas, sem os filósofos do horror.
Um
país, um lugar para se dizer o que pensava sem sentenças nem cadeias, sem os
tribunais do pensamento, sem pelotões para fuzilar a palavra; um país em que
não fossem crimes o conhecimento e o saber.
A
gente queria que a poesia não sentisse medo, que as rosas não sentissem medo,
que as mães não sentissem medo, os sorrisos não sentissem medo e a respiração não
fosse contida por soldados e as crianças machucadas pelos rifles encontrassem a
Paz longe das maldições.
Queria
um país em que não odiassem os negros, não matassem índios, lavradores e a
floresta, um país em que respeitassem as mulheres e não subjugassem ao ódio os
úteros das mães.
A
gente sonhava com uma terra em que não confinassem a cultura nas jaulas do
obscurantismo, em que não metralhassem a solidariedade e onde não tentassem
fazer da tortura e do assassinato uma obra de Deus.
Um
país onde não apontassem armas para a verdade, onde as igrejas não vendessem
Jesus Cristo a retalho e não transformassem o Evangelho numa senha de domínio e
de Poder.
Sim,
a gente queria gritar gol sem engolir pernilongos, queria fazer política e
debater a História, fazer História sem medo de sofrer.
A
gente queria um país simples e grande, um lugar para viver com a alma a favor
do vento e onde não amputassem nossas ilusões.
Um
lugar sem tanta fome e sem tanta injustiça, um território de amor e sol para
que as ideias voassem longe dos tiroteios e uma avenida, uma grande avenida
onde todos se misturassem diferentes como um só; uma grande avenida de luz
chamada Brasil.
Mas
eles estavam lá a proibir desejos, apagando luzes, destruindo cérebros,
limitando vozes, limitando direitos, proibindo, proibindo, proibindo até doer.
E
os anos se passavam com gosto de chumbo, com cheiro de pólvora e as pessoas
desapareciam junto com a tarde e o sangue escorria com gritos nos porões de
noites eternas e muita gente não amanhecia, porque eles também tinham proibido
as manhãs.
E
demoraram muito, muito calaram, muito bateram, muito pisaram, muito feriram,
muito mataram, até que um dia os jardins floresceram contra suas vontades, as
palavras saíram das gargantas fechadas sem medo da morte, as ideias pularam das
cabeças contra suas ordens e a liberdade se sentou nas calçadas sem pedir
permissão.
Agora
estão de volta. Contra os livros, contra a Ciência, contra beijos e abraços, contra
o pensamento livre e a alegria, contra a democracia e a Justiça, contra os
sonhos de igualdade e toda forma de amor.
E,
hoje velhos, nós ainda estamos aqui; de novo, sob mira dos fuzis...
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