sexta-feira, 26 de março de 2021

O CASULO

JM Cunha Santos

 


Termômetros 19 graus abaixo

a nave mãe quase estica seus três gigantescos milímetros

Os passageiros são somente sobras de existência que somem enquanto matam

os motores de silício soam o ruído de uma valsa impenetrável

800 mil viajantes de uma transferência intergaláctica retiram o ar impuro das coronárias

À velocidade do caos absoluto a nave mãe salta de uma atmosfera para outra atmosfera inesperada:

eles estão partindo, tirando férias da asma humana programada

deixando um mundo que agora inteiro cheira a éter e álcool salinizado

300 mil mortos atrás livram-se de um milhão de almas condenadas

e pisam o espaço com a força de cadáveres sintéticos em marcha

As cefaleias berram sozinhas sem cabeças e pulmões comprometidos

e os últimos astronautas dessa guerra contra o invisível cumprimentam os últimos suspiros de uma vida bastarda

Na terra um imenso rastro de hemorragias incorrigíveis

atordoa os visitantes de universos paralelos em viagem

que com brocas micro-orgânicas cavaram os humanos até os últimos limites do inacessível imponderável

Num mundo de portas fechadas as janelas são perigosas

mas encanta ouvir os gritos dos patógenos letais sincronizados:               -Adeus planeta, adeus Brasil,

nós voltaremos antes da próxima saudade!

(Do livro inédito Lockdown – a literatura da solidão)

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