domingo, 4 de abril de 2021

Sexta-feira Santa de covid a sós com Jesus Cristo

JM Cunha Santos


Quando eu já gastava meio metro de por do sol

Cristo ainda atordoado veio me pedir perdão

Não estava feliz naquela cruz sem mundo

porque muito velha e desgastada

já não lhe sustentava o peso de dois mil anos de pecados e ilusões

- Esse mundo de romanos nunca acaba – lamentou posando para a metralhadora no meu celular

Pediu penicilina, mas também ternura para curar as chagas no seu coração

Queria o meu corpo para alguma coisa no purgatório que não entendi

Não dei, porque enfiado num profundo poço de salmos,

eu só conseguia pensar em nunca mais me soltar de suas mãos

Parecia Jesus ter saído dos salões do Barbeiro de Sevilha

sem as barbas desenhadas pela História e sem os longos cabelos

que nunca aprendeu a pentear

Mas suas rugas estavam lá pingando arrependimento e solidão

Disse-lhe da pandemia e dos pastores armados até os dentes

e ele me mostrou, na alma, o lugar no ombro esquerdo em que se vacinou

Mais meio metro de por do sol e ele se cercou de cometas dizendo-se cansado de tanta ressurreição

Vi as passagens intergalácticas nos seus bolsos e perguntei aonde ia

- Não sei, mas para a Terra eu garanto que não volto mais

Nenhum comentário:

Postar um comentário