Foram mais de dois mil acidentes e 12 mortos no complexo de Carajás,
segundo estimativas de magistrado da Justiça do Trabalho que condenou a
empresa. A reportagem é de Piero Locatelli, da Repórter Brasil:
Um funcionário da Vale fazia consertos em uma ferrovia quando foi
prensado por um vagão desgovernado que se deslocou em sua direção. Seus órgãos
foram esmagados e ele sofreu diversas fraturas na bacia. Desde o acidente em
2004, passou por inúmeras cirurgias, inseriu uma prótese peniana e agora
precisa retirar urina com uma sonda a cada 30 minutos.
Como ele, mais de 2 mil funcionários da empresa teriam sofrido acidentes
graves no complexo da região de Carajás desde o ano 2000. A alta frequência de
casos assim chamou a atenção da Justiça do Trabalho, que condenou a Vale a
pagar R$ 804 milhões. A decisão é do juiz Jônatas Andrade, da Segunda Vara do
Trabalho no município de Marabá (PA). À decisão, cabe recurso.
Procurada pela reportagem, a Vale disse que não comentaria a decisão e
os acidentes antes de ser notificada pela Justiça.
Esse complexo é o maior da mineradora, que por sua vez é a maior
produtora de minério de ferro do mundo. O ferro retirado do Sudeste do Pará é
levado pela ferrovia da Vale até o seu porto em São Luís, capital do Maranhão.
Foi nesse complexo que cinco trabalhadores contratados diretamente pela empresa
morreram e outros 1.018 se acidentaram desde o ano 2000. O juiz também estima
que funcionários terceirizados, que prestavam serviços à Vale, tenham sofrido
outros 1.362 acidentes, sendo sete deles com vítimas fatais.
O número de acidentes, para o juiz, mostra o “grave descumprimento
de normas básicas e elementares de segurança, saúde e medicina do trabalho.”
Não se tratariam de casos isolados, como argumenta a empresa em sua defesa que
consta na sentença, mas de um processo amplo de desrespeito a normas básicas de
segurança. Dois exemplos são a falta de iluminação para atividades durante a
madrugada e barreiras entre os funcionários e o mar.
O magistrado afirma ainda que a empresa teria aumentado seus lucros “à
custa de lesões de trabalhadores”. Por fim, o juiz alega que a empresa
adulterou e suprimiu documentos entregues ao Ministério Público do Trabalho
durante a investigação, atuando com “litigância de má-fé”.
Valor “ínfimo” – Em um acidente que poderia ser evitado com medidas
simples, na opinião do juiz, Thiago Santos Cardoso foi atropelado por um
caminhão da Vale no meio da madrugada . Ali, não havia iluminação além das
luzes da escavadeira e do caminhão.
A morte de Cardoso foi a base da primeira ação do MPT do Pará
sobre os acidentes no complexo, feita em 2009.
Desde então, outros casos foram juntados à investigação. Entre eles está
o de Lusivan Pires, funcionário do porto de São Luís. Ele foi içado por um
guincho que deveria carregar cargas aos navios, teve o braço arrancado e
faleceu na mesma hora.
Diante da quantidade e gravidade de casos, o pedido inicial do
Ministério Público do Trabalho, de R$ 10 milhões de indenização, foi então
considerado “ínfimo” e “desproporcional” pelo juiz. “A atitude [da Vale] abala
o sentimento de dignidade, tendo reflexos na coletividade e causando grandes
prejuízos à sociedade,” diz a sentença.
Segundo o magistrado, mesmo com o significativo aumento no valor da
ação, a situação econômica da Vale está resguardada. A multa de R$ 804 milhões
corresponde a pouco mais de 8% do lucro total da empresa apenas em 2009, ano da
ação do MPT, quando a empresa lucrou – segundo a sentença – R$ 10 bilhões.
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