JM
Cunha Santos
De
seu sono eterno, eu pretendo acordar Charles Darwin, para que esteja no Brasil.
Além da evolução das espécies, pretendo que a mim me explique a evolução do
banditismo, essa vocação para engolir o próximo e que diante dessas vorazes
tecnologias de roubalheiras, ainda seja capaz de comer sem vomitar.
Sim,
eu pretendo acordar Charles Darwin. Quero que respire nesses palácios sem
sentir na boca o gosto de fuligem, quero ver se é capaz de andar nessas ruas
sem se sentir lentamente assassinado, sem sentir o peso dos assaltos
arquitetônicos, das sacanagens financeiras, sem confundir esgoto com céu.
Eu
pretendo acordar Charles Darwin para que dance nas casas dos corruptos e almoce
com as crianças silenciosamente violentadas deste país. Quero que sua teoria
diga como foi que do sonho chegamos a este pesadelo, como escapamos do cutelo
para beber veneno e comer mentiras. Quero sua mente poderosa explicando toda
essa porcaria nos pátios das mansões.
E
que seja este um despertar com sabor de carne crua na boca, de varizes
explodindo nos corredores de hospitais sujos e sugados, nessa pungente romaria
de esparadrapos, ladrões e mercúrio cromo que infelicita a Nação. Pretendo
acordar para que coma da merenda das crianças esqueléticas, para que estude em
escolas de palha e explique depois a evolução da espécie humana.
Eu
pretendo acordar Charles Darwin. Quero que tenha nas mãos os diamantes das
montanhas, o ouro da indecência pública, as pérolas que os porcos comem em
paraísos fiscais. Quero que viva nos
mosqueiros das torres de vidro, nos sangradouros das coberturas laminadas, que
acelere desgraças em carros importados, que pise os carpetes purpurados da
conveniência e da luxuria e viva nesse mar de lama o fausto dos tubarões.
Eu
pretendo acordar Charles Darwin. Ele ouvirá os discursos, anotará as desculpas,
avalizará as justificativas, beberá na fonte das filosofias e, contra toda a
lógica da evolução das espécies, preferirá morrer de uma vez.
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