terça-feira, 23 de maio de 2017

Terror: não quero mais ser gente

JM Cunha Santos


Aturdido, desativado, menos humano, eis como me sinto diante de facínoras capazes de atentar contra as vidas de crianças. O que aconteceu em Manchester, Reino Unido, durante show da cantora Ariana Grande é mais um sinal de que a humanidade faliu. Filosoficamente, sociologicamente, politicamente, religiosamente, em nada somos melhores que panteras ensandecidas, lobos carniceiros e urubus devorando tripas. Chegamos a um estado de selvageria que ultrapassa tudo o que a natureza inicial possa ter proposto.
Qual o crime de crianças de 8 anos para serem alcançadas pela vingança “divina” de satanazes em busca do poder? O homem continua machucando, desossando, escangotando, esquartejando e explodindo crianças enquanto propõe para si mesmo o paraíso eclesiástico de todos os prazeres e nenhuma dor. Não há o que explique isso. Não há guerras nem injustiças, não há história nem loucura que possam justificar a fúria hedionda e patológica de deixar crianças em pedaços. Não são homens bombas, são monstros bombas e eu não consigo entender que acreditem ser gente, que ousem se sentir filhos de algum Deus ou de qualquer outro ser nos céus ou na face da terra.
De todas as barbaridades históricas, do canibalismo ao nazismo, da tortura ao racismo, essa que explode ou troteia sorrisos inocentes é a que mais nos deixa sem alma. São mães procurando pelas pernas de seus filhos, pelos braços, pelos pensamentos, pelos sorrisos que derreteram no fogo da crueldade. E há quem assuma a autoria de atentados como este como se fora uma glorificação infinita, a tonsura para a eternidade, o caminho aberto para um paraíso que, se Deus permitir, não vai estar lá.
E enquanto aprendemos a construir infernos, meninos nas frentes dos tanques e meninas ensanguentadas, que sequer sabem porque vieram parar aqui, sobrevivem ao mal-estar de crescer entre adultos.

Nego-me, pois, a continuar sendo humano. Não quero que me chamem assim. Não aceito. Não permito. Digam que sou qualquer coisa, qualquer bicho, um lagarto, uma cobra, um mosquito, um vírus, uma bactéria, um lombrigoide. Não me trará nenhuma revolta. Só não me chamem de gente. Eu não quero mais.

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