JM Cunha Santos
Conheci o jornalista Othelino Filho na
década de 70, em meio a uma dúvida poética de minha geração: havia um regime
excepcional no país para derrubar, um desejo incontrolável de dizer o que
estava proibido, cadeados amarrando os beiços da juventude, correntes etéreas
subjugando os pulsos de quem queria escrever e atadas aos pés de quem queria
ir, quem ousasse marchar na direção do endereço da liberdade.
Mesmo assim Othelino dizia, mesmo assim
escrevia, vencendo o medo, driblando a censura imposta pelos fuzis e baionetas,
mas também vivendo a boemia ditada pelo vigor poético de São Luís, poesia
também castrada, também vigiada, escondida, declamada aos sussurros no Bar do
Cajueiro ou gritada nas páginas sujas de graxa do Jornal Pequeno pelo restrito
cortejo de maranhenses que ousavam desafiar o regime de exceção.
Nele, uma dor profunda e incontornável
pela morte trágica do pai, vítima também dos assassinos da liberdade de
expressão, exasperava. Era a revolta do filho de Othelinho Nova Alves torturado
e assassinado, mas era igualmente a revolta do filho do Maranhão, a revolta de
um filho do Brasil coagido pelos atos institucionais, pela perseguição à
inteligência e ao conhecimento, pela tortura, mortes e desaparecimentos. Em
Othelino Filho, essa revolta vencia o medo.
Como dito pelo poeta Afonso Romano de
Santana “Desaparecia-se, desaparecia-se muito naqueles dias”. E o principal
líder do poder civil junto à ditadura militar era um maranhense, José Sarney, a
justificar o fim do estado de Direito, a censura, o terror oficial das polícias
políticas, do estado policial e a imposição de um gigantesco silêncio que
sufocava a juventude.
Contra esse poder, o jornalista Othelino
Filho se insurgiu no escrever da trilogia “A oligarquia da serpente”, assinada
com o filho, o jornalista e hoje deputado Othelino Neto. Na apresentação do
tomo “A Águia Libertária”, sob o título “Rompendo os grilhões da tirania”
Othelino Filho escreveu, estilizando a memória ferida de seu pai:
“Fez do jornalismo uma trincheira contra
os poderosos cruéis e egoístas, tornando-se um paladino na defesa da justiça e
dos oprimidos. Já nos idos dos anos 60 anunciava o engodo que seria o Maranhão
Novo, arcabouço da mais longa e odienta oligarquia, que se apossaria do
Maranhão, saqueando-o despudoradamente nos últimos 40 anos, até ser calado
cruelmente em praça pública no dia 30 de setembro de 1967.
A morte de Othelino Filho é um retorno à
morte de seu pai e, em vista dos dias que vivemos hoje no Maranhão e no Brasil,
um retorno à necessidade de, mais uma vez, defender o estado de direito, mais
uma vez não aceitar a inteligência vigiada, a censura camuflada, os ataques à
liberdade de expressão, o monopólio dos meios de comunicação e a degradação
curricular e metódica do regime democrático.
Conheci Othelino Filho já lá se vão mais
de quatro décadas e sei que ele ainda pode nos ensinar a não ter medo, a
enfrentar quantas oligarquias e ditaduras sejam necessárias em nome da
liberdade, a não aceitar “os grilhões da tirania”, porque somos jornalistas,
somos poetas e, assim como Othelino Filho, é só liberdade o que sabemos
respirar...
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