EMILIO SANT'ANNA
Cléber (nome fictício), 32, passou os
últimos anos nas ruas. Na cracolândia, usava 30 pedras de crack por dia. Com
magreza extrema, 45 kg, fazia sexo em troca da droga. Antes, ganhou a vida na
República, também no centro. Envolvido com prostituição, tinha dez clientes
fixos por semana e outros eventuais. Ganhava R$ 6.000 por mês.
A trajetória de
Cléber, com a mistura constante de drogas e sexo inseguro, retrata
um problema frequente entre os usuários de crack em São Paulo: a exposição às
infecções por sífilis e HIV.
A incidência de sífilis entre viciados
atendidos pelo Cratod (Centro de Referência em Álcool, Tabaco e Outras Drogas)
é mais de dez vezes superior à média da população da América Latina, segundo
pesquisa do Estado.
A frequência de infectados surpreendeu
os pesquisadores. Em breve, todos os pacientes passarão a ser testados para
essas doenças.
A grande pergunta é se isso está restrito
a São Paulo ou se espalha por outras cracolândias pelo Brasil", diz
Ronaldo Laranjeira, psiquiatra que conduziu esse levantamento e é coordenador
do Recomeço –programa da gestão Geraldo Alckmin (PSDB) que fornece tratamento a
dependentes de drogas.
Entre janeiro e maio, cerca de 800
pessoas foram testadas para sífilis e HIV na unidade da Secretaria de Estado da
Saúde, a maioria deles frequentadores da cracolândia.
A análise encontrou resultados
positivos do vírus da Aids em 5,3% dos dependentes testados. Isso representa
prevalência até 13,5 vezes maior do que a da população brasileira em geral –que
é de 0,4% a 0,7%, de acordo com relatório da Unaids.
O programa Recomeço, instituído por
Alckmin em 2013, trabalha a saída do vício com tratamentos que incluem
isolamento em comunidades terapêuticas.
Ele é desenvolvido na cracolândia
simultaneamente ao Braços Abertos, criado em 2014 pela gestão Fernando Haddad
(PT) e baseado na redução de danos —os dependentes são incentivados, por meio
da oferta de emprego e renda, a diminuir o uso de drogas, sem internação.
INFECÇÃO
Em relação à sífilis, os testes deram
positivo para a doença em 22% dos usuários. Esse resultado, porém, considera
não só as pessoas com a infecção, mas também quem já teve a doença e se tratou,
mas ainda apresenta a chamada "cicatriz sorológica".
A prevalência foi de 36% entre as
mulheres, contra 18% nos homens. Do total de infectados, 40% nunca se trataram,
29% o fizeram, mas de forma irregular, e 31% foram tratados previamente com
sucesso.
Descartando esse grupo que só tem a
"cicatriz sorológica", a incidência da doença na amostra foi de 15%
–prevalência 11 vezes maior do que a encontrada na população da América Latina
(1,3%).
"O desafio do tratamento é ser o
mais simples e objetivo para facilitar para as pessoas mais vulneráveis
socialmente, para diminuir a chance de continuar transmitindo a doença",
diz Laranjeira.
Uma das medidas para isso, no Cratod,
foi a incorporação de uma infectologista à equipe de médicos. O centro dá o
coquetel para os dependentes soropositivos e aplica a penicilina nos usuários
com sífilis. Isso para evitar que eles precisem se deslocar em busca dos
medicamentos.
Em relação ao HIV, há outro problema:
casos de pacientes moradores de rua que resistem em carregar os remédios, com
medo de se exporem. A saída foi a administração do coquetel na própria unidade,
diz a infectologista Viviane Briese.
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