terça-feira, 9 de junho de 2020

Outra criança João Pedro morta na favela pelas balas do racismo indisfarçável


JM Cunha Santos



Acordo cedo
abro o sol
Puta que pariu, que janela irresponsável
não acessou a estrela em gotas que passava
nem mesmo a aurora que, à falta de manhãs, secava
que espaço mais sem rimas, o rasgo miserável
não esperou pelo infernal barulho dos coturnos
não deu tempo para a bala conversar
com a gente, sobre o noturno
nem sequer aguardou pelo olho cor de sangue
e saiu-se a mostrar pobres aos bárbaros soturnos
nem esperou que vestissem a Mahatma  Gandhi
e já se escancarava ao romano: se vingue
- que não fique vivo um só Martin Luther King
que ao sempre não pretendo ser a porta e a janela
quero balas nas paletas, nos tendões, peles, costelas
negros pretos estrepados pelas áfricas sem pão
quero o lume, o volume, gentes negras no curtume
muitos pedaços de pedros e muitas partes de joãos

vida, vida
vida na favela
favela viva na vida
a vida não é fivela
fivela na vida viva
do vivo lá na favela
viva um pouco só de vida
joão, que pedro foi para a estrela

quantos cristos serão necessários aos pregos de tanta cruz
tem gente matando Deus e se dizendo Jesus
tem gente feita de carne, camargos feitos de pus
oh, senhor, dá-me outra luz,
rimo eu tanta crueldade
setenta balas no peito
de uma só virgindade
favelas não são direitos,
favelas não são cidades
favelas são parapeitos
gritando por liberdades

onde joão pedro estará
com os seus nenhum brinquedos
com aquele corpo sem corpo, suas mãos virando dedos
será que quer ser joão, que ainda ele quer ser Pedro
com balas dentro da alma e seu madeiro de cedro
vendo a favela gritar: não mata que ainda é cedo
é negro e brilha com a noite, vagando em seu poliedro
só tem 14 futuros e mil mães mortas de medo:
ele quis ser pedro e joão; nem deixaram ser João Pedro

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