JM
Cunha Santos
Não
creio que o coronavírus em algum momento tenha sido favorável a uma guerra
civil no Brasil ou, sendo menos catastrófico, à intervenção militar pedida às
portas do governo pelo fundo de reserva da extrema direita. Pelo contrário,
acho até que, de certa forma, contribuiu para evitar a proposta de sangue que o
bolsonarismo vem cuspindo desde que se assentou no poder. Fez isso, por
exemplo, quando obrigou todo mundo a se manter em casa, durante meses seguidos,
levando à autofagia o ódio que trouxeram embrulhado dos EUA para o nosso país.
O
vírus adoeceu gente, matou, fez sofrer tanto que obrigou todo mundo a se amar
cada vez mais. Mesmo à distância, mesmo sem a presença da pele, mesmo com temor
nos olhos, aprendemos a importância de também sentir a dor do outro.
Por
decreto, soltaram um número jamais visto de armas de fogo nas ruas, nas casas,
nos clubes de tiro, como que a prestar uma espécie de consultoria de eliminação
física ao já letal coromavírus. Mas a maioria não quis comprar armas (somos
brasileiros e sabemos que a casa de assassinos não é lugar para filhos de Deus)
e os muitos que compraram descobririam que não havia a quem ferir, nem matar. Porque
estavam todos em casa, chorando por seus queridos, escondendo-se do vírus e
orando pelo Brasil tumultuado pela indecência política e a disposição
autoritária que ainda querem nos impor.
Acredito
também que o coronavírus seja acintosamente contra a reeleição de Donald Trump
nos Estados Unidos, embora tenha esse senhor chefe da extrema direita, por
diversas vezes, proposto ao patógeno maldito uma aliança política contra a
democracia e os povos todos asiáticos e da sul-américa. Ao que parece,
entretanto, o vírus corona não aceitou bem o enlace matrimonial de Trump e seus
seguidores com o vírus do fascismo. Não que o coronavírus tenha algo de pessoal
contra o vermífugo fascista, mas provavelmente por não querer concorrência em
sua nefasta obra de letalidade.
Dir-se-ia,
pois, haver nesse morbo pandêmico algo de progressista, alguma tendência de
ação pela emancipação dos povos, um gosto qualquer pela liberdade de expressão
contida, inclusive no distanciamento social. Mas é um engano. O vírus se negou
a contaminar Donald Trump e, certamente, demorou muito para contaminar Jair Bolsonaro
e, de qualquer modo, deixou-se envolver pelo uso político de sua catástrofe
quando confinou o planeta economicamente, motivou uma espécie de caça federal
aos governadores em defesa da saúde do povo no Brasil e permitiu que uma nata
de militares de linha dura constrangesse os serviços públicos no país com
ameaças de retorno ao obscurantismo depravado.
E
estamos hoje com quase 2 milhões e 300 mil contaminados, 85 mil mortos no país,
uma conta arrepiante, um cálculo terrificante que poderia ser bem menor e que
talvez seja bem maior, porque o Governo Federal sequer se dispôs a gastar os
recursos à disposição no Ministério da Saúde para combate à pandemia.
A
ideia de armar a população para defender o governo, além de estúpida, criminosa
e antidemocrática, porque pressupõe a perpetuação no poder, esconde a inépcia de
quem sabe que não sabe governar e, sabendo disso, busca montar no país um
estado policial que os reeleja na lei ou na marra, como na canção do nosso João
do Vale. Ideia que ainda não foi de todo descartada nos porões e submundos ultraliberais.
O
governo, aqui, é a própria cloroquina; só tem efeito sobre quem, em fase
terminal de percepção política, vai engolindo todas as pílulas do fascismo
escancarado, como a defesa do desmatamento da Amazônia, o desmonte do Sistema
de Educação e o sucateamento da universidade pública que são, no final,
alongamentos naturais das liberdades democráticas.
Brucutus
como Sérgio Camargo, Ernesto Araújo, Damares Alves, Regina Duarte, Abraham
Weintraub, Ricardo Sales estão e estiveram de clava em punho nesses dias todos,
batendo com força na cabeça da população e desejando bons dias ao aliado
coronavírus que muito pouco permitiu que a insatisfação popular explodisse nas
ruas. Todos os dias. Sem dó nem piedade.
Mas
o gosto do coronavírus pelo genocídio já expões sua natureza nazifacista, dirão
alguns. Serve como argumento, mas apenas isso. De qualquer modo, a pergunta foi
feita: O coronavírus é de esquerda ou de direita?
Não
serei eu a arriscar uma resposta. Deixo isso com os leitores, com os políticos,
com os economistas, embora não sobrem dúvidas de que se trata de um soldado
extremamente sutil e radical.
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