JM Cunha Santos
Ah,
São Luís
se
eu poeta um dia fosse
juro
por Deus que tomaria posse
de
tuas águas azuis
se
um poeta em mim existisse
juro
que tudo que em vida disse
diria
longe da luz
para
cantar tuas dores aos barões perversos
de
um mundo que em toadas não cantei
contra
os poetas frouxos e reversos
que
nem nos becos ousam fazer versos
contra
a lei
oh
ilha minha a perder de vista
cravo
no coração de um anarquista
que
salvará do horror este país
minha
Veneza de águas transtornadas
permita
de Gonçalves novas trovoadas
enquanto
eu planto rosas atrasadas
e
colho em teus cabelos flor de lis
estar
poeta em teus beirais é inocência
planeta
d’água onde o amor virou Ciência
e
uma sereia menstruada fez quebranto
rezo
pelos que perderam a santa e a paciência
que
por falta de amor cansou-se à consciência
e
o mar do rio Anil se tornou pranto
Se
o silêncio não interrompesse a fala
eu
cantaria, São Luís, essa cantiga que não cala
aos
fantasmas moribundos nos teus casarões
e
mesmo sem a flecha que o tupinambá estala
eu
salvaria os rebeldes dessa bala
que
em teus heróis só busca os corações
e
choraria nos pousos da saudade
essa
cidade embaixo de outra cidade
onde
a serpente faz suas orações
oh
ilha minha entre tambores, cores, fitas
eu
cantaria o musgo azul das palafitas
e
a carne escrava que em pavor te construiu
e
beberia em tuas fontes as águas turvas da História
de
alguns franceses e holandeses que, sem glória,
nós
devolvemos para onde o céu sumiu
que
ainda aqui habita sem sossego a mesma escória
expulsa
pelos seixos de Santa Vitória
e
a pólvora de Portugal (que ninguém viu)
minha
cidade de almas rasas e águas profundas
onde
os turistas vem coçar suas bundas
e
humilham com seus brasões tuas cloacas
aonde
sangram homens, sangram deuses e polacas
e
magos dançam as danças do Estoril
e
as coreiras perdem os couros e as casacas
segurando
as virgindades com as matracas
e
cantando à liberdade do Brasil
ilha
do amor, ilha do amor em bangue-bangue
louvo-te
aqui os quatrocentos sangues
e
os oito mais que me interrompem a solidão
meus
parabéns aos caranguejos nos teus mangues
ilha
que vai e volta, eterno bumerangue
trocando
os versos velhos do meu coração
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