segunda-feira, 7 de setembro de 2020

A lenda poética de São Luís (408 anos)

JM Cunha Santos

 


Ah, São Luís

se eu poeta um dia fosse

juro por Deus que tomaria posse

de tuas águas azuis

se um poeta em mim existisse

juro que tudo que em vida disse

diria longe da luz

para cantar tuas dores aos barões perversos

de um mundo que em toadas não cantei

contra os poetas frouxos e reversos

que nem nos becos ousam fazer versos

contra a lei

 

oh ilha minha a perder de vista

cravo no coração de um anarquista

que salvará do horror este país

minha Veneza de águas transtornadas

permita de Gonçalves novas trovoadas

enquanto eu planto rosas atrasadas

e colho em teus cabelos flor de lis

estar poeta em teus beirais é inocência

planeta d’água onde o amor virou Ciência

e uma sereia menstruada fez quebranto

rezo pelos que perderam a santa e a paciência

que por falta de amor cansou-se à consciência

e o mar do rio Anil se tornou pranto

 

Se o silêncio não interrompesse a fala

eu cantaria, São Luís, essa cantiga que não cala

aos fantasmas moribundos nos teus casarões

e mesmo sem a flecha que o tupinambá estala

eu salvaria os rebeldes dessa bala

que em teus heróis só busca os corações

e choraria nos pousos da saudade

essa cidade embaixo de outra cidade

onde a serpente faz suas orações

 

oh ilha minha entre tambores, cores, fitas

eu cantaria o musgo azul das palafitas

e a carne escrava que em pavor te construiu

e beberia em tuas fontes as águas turvas da História

de alguns franceses e holandeses que, sem glória,

nós devolvemos para onde o céu sumiu

que ainda aqui habita sem sossego a mesma escória

expulsa pelos seixos de Santa Vitória

e a pólvora de Portugal (que ninguém viu)

 

minha cidade de almas rasas e águas profundas

onde os turistas vem coçar suas bundas

e humilham com seus brasões tuas cloacas

aonde sangram homens, sangram deuses e polacas

e magos dançam as danças do Estoril  

e as coreiras perdem os couros e as casacas

segurando as virgindades com as matracas

e cantando à liberdade do Brasil

 

ilha do amor, ilha do amor em bangue-bangue

louvo-te aqui os quatrocentos sangues

e os oito mais que me interrompem a solidão

meus parabéns aos caranguejos nos teus mangues

ilha que vai e volta, eterno bumerangue

trocando os versos velhos do meu coração

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