domingo, 8 de novembro de 2020

Do amor artístico

JM Cunha Santos

 


A palavra que tem todos os significados

foi dita no intervalo entre uma consulta ginecológica

e o início de uma ditadura militar

Deus nada poderoso nunca mais quis falar comigo

porque a esqueci dentro dos olhos alheios  

ouvindo uma canção que mandava: volte para tempestade!

O crepúsculo de sangue natural desses momentos

se anunciou entre as pernas da dama menstruada

e veio junto com o agente da lei e sua arma de prata

Eu tinha trovões na garganta, ela tinha relâmpagos nas mãos

e os dois chovíamos a água densa de Fernando Pessoa

enquanto guardávamos nossas almas num buraco de chuva

Não era manhã, não era tarde, não era noite

era a hora nenhuma que existe o tempo todo

para que os amantes se beijem, desenhem imoralidades

e se entreguem à revolução

Da manhã caímos direto em uma madrugada

ouvindo hinos que mandavam morrer

e mamando nas feras que se preparavam para engolir o país


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