sexta-feira, 9 de abril de 2021

Henry Borel e a crônica de um menino cujo único brinquedo foi a dor

JM Cunha Santos



Aos quatro anos de idade, todos os sorvetes dissolvem antes da hora, todos os carrinhos quebram em acidentes de amplidão, todos os bonecos fogem ao encontro do capitão Marvel.

Mas o único brinquedo de Henry Borel era a dor.

Era a dor que ele puxava em alta velocidade na sala, era com a dor que ele construía pipas, era pra ela que dava carona em sua nave espacial, era na dor que ele pulava como se fosse um colchão.

- Quebra, bate, quebra, bate, bate, quebra, quebra, bate, não deixa o osso dele amanhecer.

O que ele diria se soubesse que hoje dão aulas de crueldade em igrejas do Brasil?

Aos quatro anos de idade o céu fica tão perto que a gente banha nas lagoas das estrelas e todo mundo tem tanta mãe que não há lugar para a orfandade.

Sem mãe, sem pai, sem estrelas nem lagoas, somente com sua dor, Henry tomava banho em piscinas de suplícios e conheceu a tortura antes de aprender sonhar.

- Quebra, bate, bate quebra, bate quebra, quebra bate, não deixa esse menino brincar.

O que ele diria se soubesse que temos no Brasil um presidente da República que concede medalhas de honra a torturadores?

Aos quatro anos de idade os monstros são de vapor, os monstros não moram em casa e os fantasmas desaparecem quando veem o pai chegar.

Os monstros de Henry Borel eram de pedra, suas assombrações eram de aço, cortavam horror na carne, chegavam e não iam mais.

O que ele diria se soubesse que para certos homens torturar é um prazer?

- Quebra, bate, bate, quebra, bate, quebra, quebra bate, não deixa esse menino crescer.

Henry Borel acabou de chegar ao Tribunal dos Anjos, um lugar sem dor, sem monstros, nem fantasmas e, recebido por fadas, suspenso em rosas douradas, pula em todas os colchões, solta pipas na maldade, se cerca de orações.

O que ele diria se soubesse que hoje é filho de quase todos os pais e todas as mães do Brasil?

Sofreu tanto que não conheceu o amor, mas a dor agora é só uma história que outros pais contavam para fazer dormir. “A dor passa, aqui no céu a dor passa, eu quero ficar aqui”.

Enquanto isso, na Terra, eles repetem em igrejas a canção que o Diabo ensinou:

- Quebra, bate, bate, quebra, bate quebra, quebra, bate, não deixem Henri voar.

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