Alvo da Operação Lava Jato, a Premium I deveria ser
maior que Abreu e Lima, mas só trouxe gastos e transtornos sem sequer sair do
papel
Por: Eduardo Gonçalves, de Veja.com
Dia 15 de janeiro de
2010. Num palanque montado na pequena cidade de Bacabeira, no Maranhão, o então
presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursava sobre a possibilidade de
equiparar a economia do Nordeste à do Sudeste: "Por trás de um
empreendimento desses, virão hotéis, restaurantes, estradas e uma série de
coisas que nós ainda não conseguimos enxergar". Lula referia-se à
construção daquela que seria a maior refinaria do país e a quinta maior do
mundo, a Premium I: cuja pedra fundamental era lançada naquele instante. Junto
a ele estavam petistas e aliados de outrora: a ministra chefe da Casa Civil,
Dilma Rousseff, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, o ministro de Minas
e Energia Edison Lobão e o presidente da Petrobras Sergio Gabrielli.
No meio da plateia, a
agricultora Maria José de Sousa, de 53 anos, assistia atenta à cerimônia. Era a
primeira vez que via aquelas ilustres figuras no município de 16.000
habitantes, a 40 quilômetros de São Luís. De todos os discursos que ouviu, o
que mais lhe chamou atenção foi o da governadora Roseana, que prometeu pagar
uma bolsa de 500 reais e dar uma casa nova às famílias que moravam no terreno
onde seria instalada a refinaria.
Maria José estava feliz
com a possibilidade de ser uma das beneficiárias. Para isso, precisaria abrir
mão da área onde morava e entregá-la à Petrobras. Em troca, ganharia uma casa
num conjunto habitacional com outras cerca de 200 famílias cujas terras seriam
desapropriadas. A expectativa mudança ainda lhe causava um frio na barriga. "Todo
mundo da comunidade foi para lá ver o Lula. Mas não conseguimos chegar muito
perto porque tinha muita gente. A refinaria criou muita expectativa no nosso
povo. Achávamos que nossa vida ia melhorar muito, que teria emprego para nossos
filhos e netos", afirmou.
Passados cinco anos do
evento, Maria José e as demais famílias da cidade vivem precariamente. Não
recebem em dia os benefícios prometidos pela então governadora, não possuem o
emprego garantido por Lula e não podem continuar plantando, já que suas terras
pertencem à estatal e se tornaram impróprias para o plantio, devido à
terraplanagem da área. O cenário é de miséria total.
Quase Pasadena - A
Premium I foi idealizada pelo governo petista dentro da estratégia
megalomaníaca de refinar petróleo no Brasil para transformar o país em
exportador de óleo diesel. Abreu e Lima existe para provar que o plano deu
errado. Prevista para custar 2 bilhões de dólares, a obra está inacabada, já
drenou 18 bilhões de dólares do caixa da Petrobras e foi alvo de investidas corruptas
dos ex-diretores da estatal, de acordo com as investigações da Operação Lava
Jato. Analistas garantem que dificilmente a refinará dará à empresa o retorno
do que foi investido.
Depois da descoberta do
pré-sal, o então presidente da República usou a política de refino para
angariar apoio político em alguns Estados, sob o pretexto de trazer
desenvolvimento regional - e o Maranhão se enquadra nesse xadrez. Mas, diante
do choque de realidade com o qual a Petrobras se deparou nos últimos três anos,
as empreitadas não só foram canceladas(além da Premium I, a Premium II, no
Ceará, também saiu do radar), como a Petrobras recentemente anunciou mudanças
em toda a sua estratégia: investirá prioritariamente em exploração de petróleo,
não mais em refino. Levando em conta os altos custos de produção no Brasil e a
queda do preço do barril do petróleo no mundo, a estatal deu-se conta de que o
refino é um péssimo negócio para países cuja indústria não é competitiva, como
o Brasil.
Ao site de Veja, um
ex-conselheiro da estatal disse, sob condição de anonimato, que a refinaria
maranhense já havia sido descartada em 2012. "Quando Graça assumiu, ela
deixou bem claro que as refinarias só sairiam quando se provassem
economicamente viáveis. A Premium não era, e ela sabia", afirmou o
conselheiro. A petroleira chinesa Sinopec se interessou pelo empreendimento,
mas não conseguiu concordar com a Petrobras quanto à taxa de rentabilidade
mínima. A chinesa pedia 12¨% e a Petrobras queria 8,7%. Em áudio obtido pelo
jornal O Globo, Graça Foster comparou a Premium I ao fiasco de
Pasadena. Foi justamente a taxa de retorno mínimo, chamada de Cláusula Marlim,
que elevou em quase 800 milhões de dólares o rombo da refinaria americana no
caixa da estatal. "Como a gente pode garantir a eles uma taxa de 12% ao
ano? É a cláusula Marlim vezes dois", disse, entre risos.
Lava Jato - Antes
de ser cancelada, a Premium I passou por apenas uma obra: a terraplanagem da
área, que custou 583 milhões de reais. Mas até uma atividade tão corriqueira no
setor de infraestrutura foi, tudo indica, alvo de contravenção. O Tribunal de
Contas da União apontou superfaturamento no contrato com empresas de tratores,
além da falta de estudos de viabilidade técnica. O balanço da Petrobras de 2014
relata baixa contábil de 2 bilhões de reais com a refinaria.
O serviço de
terraplanagem também abriu um leque de possibilidades para os envolvidos na
Operação Lava Jato. O Ministério Público Federal (MPF) detectou indícios de
pagamento de propina a políticos para direcionar os contratos da Premium ao
consórcio formado pelas empreiteiras Galvão Engenharia, Serveng e Fidens. A
Premium I também aparece nos depoimentos de delação premiada do ex-diretor de
Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e do doleiro Alberto Youssef.
Eles relataram à PF que as construtoras pagaram propina de 1% sobre o valor do
contrato para construção da refinaria aos deputados do PP gaúcho, Luiz Fernando
e José Otávio.
Além das citações
referentes às obras de terraplanagem, o ex-diretor afirma que tratou de propina
para a campanha de Roseana Sarney ao governo do Maranhão em 2010 durante
reuniões cujo tema central era a refinaria. O dinheiro - cerca de 2 milhões de
reais - teria sido pedido pelo ex-ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.
Curiosamente, Alberto Youssef foi preso em São Luis, no Maranhão, tratando de
negócios suspeitos.
Perdas incalculáveis - Com
o anúncio da refinaria no Maranhão, cidades do entorno, como Bacabeira e
Rosário, tiveram um boom populacional. Milhares de pessoas
vieram de todos os cantos do Estado à procura de empregos e novos negócios,
relatam os moradores locais. Restaurantes, hospedarias e hotéis foram
construídos. "As duas cidades foram invadidas por uma avalanche de
pessoas, que vinham na esperança de trabalhar. O mercado imobiliário
inflacionou de uma hora para outra. Isso destruiu os dois municípios. Criou
problemas para quem morava na região e para quem vinha de fora. Muitos desses,
no fim, acabaram ficando e aumentou o desemprego, a prostituição e a
criminalidade", afirmou Edilson Badez das Neves, presidente da Federação
das Indústrias do Maranhão (Fiema).
Após firmar um convênio
com a Petrobras, a entidade chegou a construir uma escola do Senai em Rosário
para capacitar moradores. A instituição de ensino, que custou 14 milhões de
reais, sendo que 8 milhões de reais vieram do BNDES, foi erguida com o objetivo
de formar cerca de 3.000 trabalhadores para a área de construção civil,
mecânica e óleo e gás. Sem a refinaria, a Fiema teve de reestruturar o local e
passou a oferecer cursos de carpintaria e eletrônica para apenas 300 alunos.
O governo do Maranhão
avaliou que as perdas foram "incalculáveis nos aspectos econômico,
ambiental e social". Uma comissão externa foi criada na Câmara dos
Deputados para apurar os gastos que o Estado teve com o empreendimento e cobrar
da estatal a devolução dos recursos. Oficialmente, o governo informa que
investiu mais de 50 milhões de reais na obra e que deixará de recolher mais 53
milhões de reais em incentivos fiscais. "Vamos cobrar judicialmente o
ressarcimento porque a Petrobras anunciou, o governo foi lá, e nada foi feito.
As pessoas se dispuseram a fazer investimentos. Populações foram
desapropriadas. Isso nós não podemos aceitar", afirmou a deputada Eliziane
Gama (PPS-MA), presidente da comissão.
A Petrobras ofereceu a
devolução do terreno ao governador Flavio Dino (PCdoB), que rechaçou a
possibilidade, afirmando querer "uma refinaria pronta" - mesmo que
com capacidade menor. Os moradores tampouco querem as terras de volta porque,
devido ao excesso de cal depositado durante a terraplanagem, ela está imprópria
para o plantio. Dino fez um apelo à presidente Dilma Rousseff para que ela
intervisse no caso, mas não houve qualquer sinal da presidente de que o projeto
prosseguirá. A Petrobras afirmou que não iria se pronunciar.
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