JM Cunha Santos

QUEIRA OU NÃO QUEIRA, VOCÊ É UM CRIMINOSO
JM Cunha Santos

Você entra em um banco ou loja e sabe que olhos eletrônicos por trás dos quais podem estar olhos humanos ou não, lhe observam. Mas talvez isso não lhe assuste, pois em sua própria casa pequenos aparelhos de registro informam ao governo quanto você gasta de água e luz, quantas vezes por dia toma banho, se prefere fazer amor com a luz acesa ou na escuridão.

Na farmácia, uma balança de precisão garante que você está comendo demais e da forma errada e até indica se você serve ou não para o serviço militar.

Você não pensa nisso enquanto atravessa lombadas eletrônicas que o obrigam a reduzir a velocidade. Inclusive de seu coração humano e assustado. Sem discussão.

Sim. Você é monitorado 24 horas por dia na sua casa, em bancos, bares, restaurantes, supermercados e lojas. Todos os seus sentidos são navegáveis, hoje, por chips e sensores eletrônicos.

Você vive num mundo de alarmes e isso não o incomoda apenas e simplesmente porque não há debate possível com os seres automáticos que vigiam até sua respiração.

Do seu apartamento, também habitado por controladores de temperatura, caixas térmicas e termômetros, é impossível se preocupar com a existência de crianças com os ossos visíveis sobre a pele no continente africano ou no seu próprio continente.

Mas é o seu mundo, sem ventilação natural, sem presença de nuvens, sem interferência do sol, nem da piedade. Sabe que em meio a tantos autômatos seus semelhantes não terão tempo para pensar em suas angustias, sua decadência psicológica, seu pânico social. Ninguém vai se preocupar com os horrores e doenças na sua alma.

E sai de casa todos os dias com a bolsa cheia de cartões magnéticos e a cabeça emprenhada de senhas que você pensa que só você conhece. Sai com medo dos motoqueiros, dos garotos de bicicleta, dos homens armados, dos velhos esclerosados, das prostitutas que tentam lhe vender o corpo, dos jovens de bermudas. É o seu mundo. Sem ventilação natural.

Mais uma vez vai enfrentar micro-câmeras digitais, escutas ambientais, escutas telefônicas, gravadores, sensores, sistemas de rastreamento, receptores, binóculos com a visão noturna que você não tem; uma parafernália em miniatura que lhe deixa a mais suspeita sensação do mundo: queira ou não queira, antes de qualquer coisa, você é um potencial criminoso.