segunda-feira, 12 de março de 2012

A PRÓXIMA VELHICE


JM Cunha Santos


Como o tempo passou?

- eu tinha em mãos uma vida vermelha

eu empinava papagaios, sexo e vontades

enganava sorveteiros, caía das arvores

mexia em sofrimentos e panelas

...eu precisava da fome e da solidão



Como o tempo passou?

- eu fumava escondido

eu pensava escondido

eu tomava as esperanças dos pedestres

eu ficava com as alegrias dos felizes

vestia sapatos rasgados e comia livros



Como o tempo passou?

- o estrangeiro era na porta

toda distância dava em mim

a primeira mulher era daqui a pouco

a segunda mulher chegava primeiro

não cabia dinheiro no meu coração



Como o tempo passou?

- não existia essa caneta que ofende

não existia essa carne que sofre

meu discurso era puro como leite mugido

e apesar das pancadas do presente

o futuro pior nunca jamais ia chegar



Como o tempo passou?

- eu libertava povos, atendia famintos

não havia essa alma tão duradoura

o dia seguinte nunca tinha existido

o dia de ontem nunca tinha acabado

e sei que havia ar em meus pulmões



Como o tempo passou?

- os ossos nem a pele não doíam

os pecados todos eram quase crimes

eu não estava nas filas de espera

sempre alguém me esperava nas filas

e de mal somente o mal iria acontecer



Como o tempo passou?

- para viver esse mundo sem dançarinos

essa música que não ferve o espírito

essa poesia que não cai da gente

essa gente que não cai da poesia

e a arrogância infame desse computador



O tempo não passou – talvez não passe –

mas fui ficando sem sangue

mas fui ficando sem calma

mas fui ficando sem tempo

e hoje fiquei sem corpo:

A próxima velhice não vou saber suportar!

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