JM Cunha Santos
Como o tempo passou?
- eu tinha em mãos uma vida vermelha
eu empinava papagaios, sexo e vontades
enganava sorveteiros, caía das arvores
mexia em sofrimentos e panelas
...eu precisava da fome e da solidão
Como o tempo passou?
- eu fumava escondido
eu pensava escondido
eu tomava as esperanças dos pedestres
eu ficava com as alegrias dos felizes
vestia sapatos rasgados e comia livros
Como o tempo passou?
- o estrangeiro era na porta
toda distância dava em mim
a primeira mulher era daqui a pouco
a segunda mulher chegava primeiro
não cabia dinheiro no meu coração
Como o tempo passou?
- não existia essa caneta que ofende
não existia essa carne que sofre
meu discurso era puro como leite mugido
e apesar das pancadas do presente
o futuro pior nunca jamais ia chegar
Como o tempo passou?
- eu libertava povos, atendia famintos
não havia essa alma tão duradoura
o dia seguinte nunca tinha existido
o dia de ontem nunca tinha acabado
e sei que havia ar em meus pulmões
Como o tempo passou?
- os ossos nem a pele não doíam
os pecados todos eram quase crimes
eu não estava nas filas de espera
sempre alguém me esperava nas filas
e de mal somente o mal iria acontecer
Como o tempo passou?
- para viver esse mundo sem dançarinos
essa música que não ferve o espírito
essa poesia que não cai da gente
essa gente que não cai da poesia
e a arrogância infame desse computador
O tempo não passou – talvez não passe –
mas fui ficando sem sangue
mas fui ficando sem calma
mas fui ficando sem tempo
e hoje fiquei sem corpo:
A próxima velhice não vou saber suportar!
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