Almas vermelhas

(Ao Dr. Flávio Dino)

JM Cunha Santos

 

Ouça, que tocam já os sinos da liberdade e a Justiça volta a colocar a venda nos olhos.

Ouça, que estes são os ruídos de 50 anos de luta e os que dividiam o comer do povo e pagavam com luxo nossa fome estão saindo daqui.

Ouça, que as bandeiras tremem arrastando os ventos e a toda hora um rouxinol vem nos visitar.

Ouça, que as bandeiras tremem e arrastam para fora das cidades os donos de mundos e os meninos ansiosos já festejam a alegria de viver.

Ouça, que o barulho do sangue correndo nas veias pode ser ouvido nas escolas, nos postos de saúde e nos tribunais.

Ouça, que esse grito entalado na garganta é a voz da esperança que 50 anos depois, finalmente, escapou.

Ouça, que os barcos falam e falam também as gaivotas e guarás e o estalar dos chicotes só transmite silêncio, não transmite mais dor.

Ouça, que não soltam mais os bandidos, não incendeiam mais a cidade; não queimam com seu ódio os filhos do Maranhão.

Ouça, que as crianças apavoradas já não pegam fogo e o coração dos quilombos encontrou um corpo onde morar.

Ouça, que todos são reis e todos usam a mesma coroa e erguem o mesmo cetro e vestem a mesma púrpura na hora de governar.

Ouçam um povo que aprendeu a escolher, aprendeu a navegar e aprendeu a dizer não.

Ouça, que os corruptos esvaziam as malas e a roupa do povo mais pobre não veste mais a solidão.

Ouça os gemidos dos fantasmas nos palácios e o ganido dos cães que odeiam o amor.

Ouça o silêncio nas ruas dos que vencem sem matar, dos que sofreram sem dizer e agora se abraçam porque conquistaram o direito de abraçar.

Ouça, que todos dizem as mesmas coisas, todos falam de uma só conquista e todos se tornam um só.

Ouçam a liberdade, ouçam de novo e de novo, a liberdade que esperamos 50 anos para ouvir.