sexta-feira, 24 de abril de 2015

O discurso político da chuva

Editorial JP, 24 de abril

Nada melhor que invernos violentos, borrascas, temporais, tempestades para azeitar discursos políticos de oposição. Na era das mídias eletrônicas, então, quando se diz que uma imagem vale mais que mil palavras, uma chuva torrencial, dessas que derrubam casas, abrem crateras em avenidas, invadem residências, prédios públicos e... até hospitais, é mais que providencial para manchar a imagem de um adversário político no poder.
A chuva, que também serve de desculpas para obras indefinidamente adiadas, gestou um discurso político próprio, pois tem a capacidade de responsabilizar os administradores pelos desacertos que costuma ocasionar na vida dos cidadãos. Se uma avenida alaga a ponto de interromper o trânsito, não é porque choveu muito, é porque o prefeito não concluiu a devida drenagem da obra; se uma casa cai, não foi o volume excessivo de água que derrubou, foi o prefeito que não removeu os moradores das áreas de risco a tempo; se as águas espalham sujeiras pela cidade, não é culpa de São Pedro, é o prefeito que não está mandando recolher o lixo da cidade e assim sucessivamente.
Interessante é que o discurso político da chuva não defende nenhuma ideologia, nem tem cor partidária. Não é de esquerda, nem de direita, não é capitalista, nem socialista. A chuva, na verdade, não gosta de políticos. Trastejou, é capaz de demolir obras recém inauguradas com festas, corte da fita simbólica, propaganda nos meios de comunicação, entrevistas e discursos apologéticos só para infernizar a vida do administrador. Exemplos muito usados são as famosas estradas Sonrisal do Maranhão, aquelas que não podem ver água que dissolvem.
Quase sempre imunes aos desígnios da natureza, somente os corruptos brasileiros costumam gostar das chuvas e da falta delas. Se chove demais, socorrem-se com a indústria das enchentes, amealhando recursos federais para salvar as populações atingidas. Que vão continuar atingidas nesta e nas próximas enchentes. Se não chove, socorrem-se com a indústria da seca, na qual o povo seca e eles engordam com repasses destinados a irrigação, barragens e poços artesianos que nunca vão ser construídos.
Raro é o político que não tenha se aproveitado do discurso político da chuva para arrasar o adversário. E, naturalmente, há aqueles que torcem pela violência das tempestades, pelo surgimento de crateras nas vias públicas, alagamento de avenidas, rompimento de bueiros e tudo o mais que revolte a população. Ele só não percebe que se um dia chegar ao poder a chuva vai ser impiedosa com ele também.

De espírito anarquista, o discurso político da chuva vai continuar servindo a gregos e troianos, esquerda e direita e patrocinando muitas derrotas eleitorais. Sem contar que existe aquele tipo de administrador que não constrói nem no inverno, nem no verão, nem no outono, nem na primavera e, portanto, não precisa do discurso político da chuva para alimentar a oposição.  

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