JM
Cunha Santos
1
- O berço
Afoga-te,
Aylan Shenu, que os homens estão se matando mais uma vez
-
afoga-te em muitos mares, todos os oceanos da raiva e da perversão
-
afoga-te nos versículos da Bíblia, no Corão, nas barbas do profeta Maomé
2
– O parque
Afoga-te,
Aylan Shenu, na história, neste rio de cabeças humanas e almas quebradas
-
afoga-te, menino morto, nas balas, nas babas adultas dos babadores do horror
-
afoga-te e respira a pólvora de cada dia, pois que a morte é o nome da fé
3
– A canção de ninar
Afoga-te
em sacerdócios e baldes de sangue, em fronteiras escalavradas e multidões
-
afoga-te e não verás o amanha – que quase ninguém quer, de verdade, ver
-
afoga-te neste mediterrâneo de bestialidades, cobiças e amputações
4
– A fé
Afoga-te,
Aylan Shenu, nos compêndios rasgados e não lidos de Heródoto
-
afoga-te em marés sem pátria e na senilidade crônica da xenofobia
-
afoga-te, do Oriente ao Ocidente, em todas as praias da decomposição mental
5
– O brinquedo
Afoga-te,
Aylan Shenu, do começo ao fim, nos oceanos terroristas de onde expulsam Deus
-
afoga-te nos braços de todas as mães afogadas, afoga-te no direito de crescer
E
afoga-te, Aylan Shenu, neste mediterrâneo de carnes subjugadas em que a
insanidade humana prosperou
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