Editorial JP, 29 de setembro
A intelectualidade nociva
dos personagens encapuzados não é o único fator surpreendente num vídeo que
supostamente teria sido gravado por bandidos na Penitenciária de Pedrinhas
enviando recados para o governo e com reivindicações dignas de comunidades
trabalhadoras as mais exploradas. Há muito mais por trás dos panos finos e
coloridos dos capuzes, como a linguagem ilustrada, livre do tom agressivo e da
pornofonia natural da bandidagem, o que levanta a suspeita de que tudo foi
ensaiado, com direito a diretor artístico, contra regra e, principalmente,
diretor de iluminação.
Linguagem ilustrada apenas,
não. Parece texto de professor, advogado, sociólogo ou jornalista, com
expressões semânticas como “máquina opressora do Estado”, contestações como a
de que “o governo não tem como suprir nossa alimentação” e acusações
constitucionais como a de que “o governo não age como rege a lei”, deixando a
impressão de que há uma universidade funcionando dentro do Complexo Penitenciário
de Pedrinhas ou, então, de que as facções criminosas chegaram ao nível de pagar
cursos de pós-graduação em mestrado e doutorado para seus membros. Um curta
metragem digno de cineastas hollyoodianos. Bem diferente, na linguagem,
sonorização e dicção, das falas arrastadas e famintas das favelas ou de quem
passou a vida gritando “sujou, são os home!” ou “passa a grana, otário ou tu
vai amanhecer com a boca cheia de formiga!”.
Evidente que uma produtora
de vídeo ou um produtor cinematográfico precisa ter cuidados com a qualidade da
animação, os efeitos especiais, para que não se alterem as intenções dos
roteiristas, nem se danifique gramaticalmente o roteiro que sustentará a
história. É preciso que seus privilegiados clientes, no caso na política e na
mídia, recebam um produto de alta qualidade para vender ilusões e mentiras.
Tanto é que, visto o vídeo ficcional dos catedráticos bandidos na internet,
qualquer produtor executivo se arriscaria a comprar os direitos da obra
literária que o originou. O drama é instigante como um épico de Glauber Rocha,
apesar do cheiro de comédia de quinta categoria.
E, se vale uma postura de
crítico de cinema, o único senão a ser considerado é que o curta-metragem
político-eleitoral deixa nos cinéfilos aquela sensação de “eu já vi esse filme”,
exatamente num setembro véspera de eleição. No ano de 2014, quando os ataques a
ônibus e o terror imposto pelo crime organizado não tinham qualquer resposta
policial do governo, o bandido André Caldas, através de um vídeo de produtora
eleitoralmente similar, acusou o então candidato Flávio Dino de ser “um dos cabeças
de quadrilhas de assaltantes de bancos no Maranhão”.
Repete-se tudo agora e todos
podem dizer: eu já vi esse filme, sei quem são o roteirista, o diretor e o
produtor. E ele só entra em cartaz em véspera de eleição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário