Estadão
O procurador
regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima faz um alerta: “a
aprovação da lei de abuso de autoridade pode significar o fim da Operação Lava
Jato”. Mais experiente dos investigadores da força-tarefa criada, em Curitiba,
para investigar o maior escândalo de corrupção do Brasil, declarou ver “influência”
do governo Michel Temer (PMDB) na proposta em tramitação no Senado e avisa que
deixará os processos do escândalo Petrobrás, se o projeto virar lei.
“A aprovação da lei
de abuso de autoridade pode significar o fim da Operação Lava Jato, inclusive
eu pessoalmente, se essa lei for aprovada, não vou continuar (na
força-tarefa)”, afirmou Carlos Fernando, em entrevista ao Estadão.
O projeto de lei de
reforma da antiga Lei de Abuso de Autoridade, de 1965, é de 2009. Estava
engavetado e foi retomado este ano com texto substitutivo (projeto de lei
280/2016), de autoridade do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) –
que praticamente não faz propostas de lei na Casa.
“O texto do projeto
tem por finalidade principal criar constrangimento para quem investiga
situações envolvendo pessoas poderosas, especialmente empresários e políticos.
Nós não vamos ficar a mercê, como já acontece hoje com as inúmeras
representações que a gente recebe, de ações penais privadas propostas por
qualquer um que se sinta incomodado”, avaliou o procurador.
Carlos Fernando foi
alvo de representação movida pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, no Conselho Nacional no Ministério Público (CNMP), por conduta indevida
nos processos da Lava Jato. O pedido de afastamento foi negado pelo colegiado.
“É uma lei absurda.
Justificam (os defensores do projeto) que a proposta é para punir a
‘carteirada’, mas ela não está lá no texto. Mas criam tamanha dificuldade para
julgadores e investigadores e acusadores”, ponderou o procurador.
“O que uma lei
dessa vai propiciar é um esquema – e aí está a inteligência do negócio – no
qual não vai haver mais lava jatos de nenhuma espécie. A não ser que a pessoa
arrisque sua vida pessoal e profissional. Porque ela vai ser ameaçada por
corruptos e bandidos em geral, porque vai estar exposta a todo tipo de
retaliação. Eu posso sofrer uma ação penal privada, é um absurdo.”
Para o procurador
da Lava Jato, seria uma primeira contraofensiva efetiva do governo contra o
combate à corrupção no País, que representará a volta do sistema em que ricos e
poderosos não vão para a cadeia.
“Vamos voltar para
o modelo de Justiça criminal para os pobres. Que é o que sempre vimos. Até o
Caso Banestado, tem um livro da doutora Ela (Wiecko) Castilho (ex-procuradora
da República) em que ela mostra que até aquela época (fim da década de 1990)
não havia punição por colarinho branco. Até hoje, se juntar toda população
carcerária, não chega nem perto de 1%.
Influência.
No mais duro ataque
de um membro da Procuradoria da República à proposta de lei que estipula
punições a autoridades por abuso de poder, Carlos Fernando diz “ver a
influência” do governo na tentativa de aprovar o projeto, desengavetado pelo
presidente do Senado.
“Eu vejo, nisso
tudo, apesar de todas as negativas, a influência do governo atual, porque não
podemos deixar de perceber que as pessoas que patrocinam essas medidas, são
exatamente aquelas que fazem parte do comando da base de apoio do atual
presidente”, afirmou o procurador.
A nova proposta
feita por Renan é alvo de críticas de investigadores e de entidades
representativas do Judiciário e do Ministério Público, que veem no texto uma
forma de engessar investigações contra criminosos de colarinho branco.
A medida foi
retomada no Senado como prioridade e passou a ser analisada em comissão criada
por Renan, que tem como relator o senador Romero Jucá (PMDB-RR) – da tropa de
choque do presidente Temer. Os dois parlamentares que encabeçam a proposta no
parlamento são alvos de investigações da Lava Jato e tiveram os nomes citados
por delatores como recebedores de propinas do esquema Petrobrás.
Integrante da
força-tarefa do Caso Banestado – mega esquema de desvios de dinheiro via contas
CC-5 na década de 1990 – e membro da equipe da Lava Jato, desde sua origem,
Carlos Fernando disse que “o que está acontecendo agora é algo que até mesmo o
governo Dilma Rousseff tinha vergonha de tentar fazer”.
Atentado
Um dia antes das
críticas do procurador, o juiz federal Sérgio Moro, dos processos da Lava Jato
em primeira instância, em Curitiba, afirmou que da forma como está redigido o
projeto, se aprovado ele será “um atentado à independência da magistratura”.
“É importante que
se for realmente se pensar e aprovar esse projeto, que fossem estabelecidas
salvaguardas para que ficasse claro que o alvo dessa lei não é a interpretação
da magistratura a respeito do que significa o Direito. Do contrário, vai ser um
atentado à independência da magistratura”, afirmou Moro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário