Governador do Maranhão defende apoio do PCdoB a Maia e diz que não se
pode 'sectarizar'
Por Kátia Guimarães, do JB
Reeleito com 60% dos votos válidos, o governador do Maranhão, Flávio
Dino, do PCdoB, pôs fim à hegemonia da família Sarney no estado e desponta como
um dos líderes do campo progressista. Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, Dino
diz que a esquerda não pode sectarizar o debate, “a gente não pode ficar só
conversando com a gente mesmo”. “Estranho um certo sectarismo oportunista de
ocasião, do tipo, eu aceito ser apoiado, mas não apoio ninguém”.
Para ele, o apoio do PCdoB à reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) pode ser
pedagógico para a esquerda mudar de atitude e ampliar o diálogo. Não se trata
de “uma disputa ideológica”, afirma. Dino não tem dúvidas de que a oposição
estará unida para fazer frente ao governo Bolsonaro, que na sua opinião tem
agido de forma “atrapalhada”. Na contramão do governo federal, ele premia
policiais que apreendem armas irregulares. “Somente fascistas acreditam na
guerra e nas armas”, disse no discurso de posse. “Jesus Cristo era mais do
Estatuto do Desarmamento do que do decreto do Bolsonaro”.
O senhor organizou as finanças do Maranhão, qual seu conselho para os
governadores que estão com o estado quebrado?
Às vezes, eu vejo uma preocupação apenas com receitas ou apenas com despesas,
discurso que se tornou lugar comum, do corte de gastos, enxugar o estado e tal.
Minha sugestão é olhar as duas coisas o tempo inteiro, buscando equilíbrio. Às
vezes tem que aumentar as despesas, como fizermos. Agora estamos buscando
reduzir porque queremos recuperar o rating [o estado tem duas notas altas e uma
baixa]. Mas o segredo é considerar que isso é uma coisa que cabe muito ao
governador, é uma gestão tão importante que a minha sugestão é que o governador
cuide disso pessoalmente.
Qual é sua posição sobre o apoio do PCdoB a Rodrigo Maia?
Participei da decisão e concordo com ela. Uma eleição do presidente da Casa não
é uma disputa ideológica ou política, não é uma disputa entre esquerda e
direita ou entre situação e oposição. O que a gente busca é um presidente que respeite
a minoria, garanta os espaços para que a oposição possa exercer o trabalho
parlamentar. Até aqui o Rodrigo Maia tem se comportado muito bem nesse aspecto,
não tem sido um presidente que atropela como o Eduardo Cunha fazia. Como ele
tem sido correto na condução da Casa, achamos que ele deve continuar. Não
significa que a gente concorde com a agenda dele. Por exemplo, ele defende
privatizações e nós temos uma posição mais restritiva, mas não é isso que a
gente está levando em conta. A oposição consegue trabalhar tendo ele como
presidente ou ele atropela, desrespeita e viola as prorrogativas parlamentares?
Essa é a pergunta.
Há na Câmara, parlamentares governistas que defendem mudanças no regimento
interno para tolher a capacidade de obstrução da oposição. O senhor conversou
com o deputado sobre isso?
Eu dialoguei com o Maia e ele sempre disso olha ‘como princípio geral na minha
Presidência, a oposição é respeitada de acordo com as regras do jogo. Não tem
aquele negócio de, votar várias vezes, voltar atrás...’ O histórico dele tem
sido positivo, não acredito que ele vá apoiar qualquer coisa que restrinja o
papel da oposição até porque seria inconstitucional. O processo legislativo é
democrático e garantido pela Constituição, infelizmente já houve presidente que
não observou isso. Nesse momento de muita instabilidade e incerteza, em razão
do zigue-zagues do governo federal, acho que ele pode funcionar como um ponto
de estabilidade e diálogo institucional mais amplo do país.
É difícil explicar essa aliança com Maia para a militância...
Temos colocado que a eleição da Câmara tem uma lógica própria, não é um
comprometimento ideológico. É um comprometimento quanto as regras do jogo
parlamentar, do regimento interno da Câmara. Historicamente [na Câmara] foram
formadas alianças mais amplas, como, por exemplo, quando o Aldo Rebelo
[ex-PCdoB] foi presidente e teve apoio do DEM; quando o PT também teve a
presidência [da Câmara] também teve apoio de parte do PSDB, MDB. Sempre os
presidentes eleitos foram sustentados por alianças mistas e plurais do ponto de
vista político.
Mas alianças muito amplas já se mostraram controversas...
Não se pode sectarizar eternamente o debate político, tem que ter amplitude. O
Brasil é um país grande e plural. Às vezes, vejo abordagem assim: ‘eu não
converso com ninguém que apoiou o impeachment’. Fui contra o impeachment, mas
aí você vai ficar preso eternamente naquele dia, vai congelar as relações
políticas a um evento? Se [a esquerda] congela a fotografia daquele dia, sempre
vamos perder, naquele dia nos perdemos fragorosamente, não conseguimos fazer um
terço. Se você não quer ficar no canto do ringue, não quer ficar isolado no
gueto, tem que dialogar com os diferentes e até com os contrários.
A esquerda precisa ampliar as interlocuções para sair da bolha?
Claro, senão a gente vai congelar a foto de um momento em que fomos esmagados.
Não se pode ficar eternamente numa ação política puramente reativa, pode ser
até “charmoso”, mas não é eficiente, não produz resultados em relação àquilo
que representamos. A gente não pode ficar só conversando com a gente mesmo. Tem
que ter amplitude do diálogo para quem pensa diferente, quem está mais à
direita de você. Esse evento da eleição da Câmara, embora tenha uma lógica
própria, ao mesmo tempo é pedagógico no sentido de definir uma atitude. Por que
o Haddad cresceu na reta final do 2º turno? Porque a candidatura foi muito mais
ampla, se ela tivesse expressado apenas a esquerda, teria apenas 30%, chegou a
45% porque outros setores do campo político, artistas, intelectuais votaram no
Haddad e ninguém disse que estava errado. Estranho um certo sectarismo
oportunista de ocasião, do tipo, eu aceito ser apoiado, mas não apoio ninguém.
É descabido.
Como a oposição deve atuar no governo Bolsonaro?
Ultrapassada a questão da Mesa [da Câmara], temos o bloco PCdoB, PSB e PDT, tem
o PT, que é um aliado fundamental, maior partido de esquerda e o partido do
maior líder político do país, que é o Lula... Então, claro que a nossa relação
preferencial é com o PT, PSOL, que também é importante. O amálgama dessa união
tem que ser a proteção dos direitos dos mais pobres, das mulheres, dos
índios... Faz uma agenda de direitos para cimentar essa aliança e procura
ampliar as forças que defendam essa agenda. Porque se formos só nós, a gente já
sabe o resultado, não precisa nem votar, a gente vai perder todas.
Então, o senhor defende um bloco mais amplo de oposição?
O bloco é um instituto jurídico regimental da Casa que atua como se fosse um
partido só para fins parlamentares. Outra coisa é aliança do dia a dia, do chão
do plenário, da disputa.
PCdoB, PSB e PDT não chegaram a um consenso sobre a eleição na Câmara e
estudam liberar os votos...
Acho que pode ser, a [eleição] do presidente é um evento que vai acontecer e passar.
Nos próximos quatro anos, é preciso debater as questões substantivas, a reforma
da Previdência, direitos dos trabalhadores, terras indígena, segurança
pública... isso vai unir a esquerda. Objetivamente isso vai unir, independente
se um fizer careta ou cara feia, passada a eleição está todo mundo junto. Não
tenho dúvida. Como o governo Bolsonaro é bem posicionado à direita e tem
posições extremadas, isso naturalmente une. E inexorável!
Qual é sua opinião sobre os primeiros governo Bolsonaro?
É um governo que ainda não tem nitidez da sua agenda, de muito zigue-zague,
muitas idas e vindas, muito confuso internamente e de pouco resultado. Olhando
objetivamente o que acontece nesses dias do ponto de vista prático da vida da
população só esse decreto das armas, que é um monumental equívoco tanto no
conteúdo, quanto na forma. Só é possível prognosticar a medida que apareçam
coisas mais nítidas, como, por exemplo, a proposta que eles vão apresentar da
reforma da Previdência. Aí vai ficar mais claro para a sociedade qual é o
caráter do governo.
O que chamou mais atenção?
É o fato de ser um governo muito desorganizado, sem gestão e núcleo de comando,
um governo muito atabalhoado, muito atrapalhado. Você vê que em coisas banais
eles se enrolam, anunciam uma coisa e não é aquilo, assina e não sabe o que
assinou. Até aqui muito barulho, improvisação e ineficácia na apresentação da
agenda deles.
Com um governo de direita e um Congresso mais conservador, a oposição vai
ter que reinventar a forma de agir?
Quando Pedro na narrativa bíblica puxa a espada para enfrentar os romanos,
Jesus Cristo disse para ele baixar a espada. Então, Jesus Cristo era mais do
Estatuto do Desarmamento do que do decreto do Bolsonaro. Não acredito que em
bloco a bancada evangélica vai votar a favor de todo mundo dando tiro no meio
da rua. Na agenda de limitação ambiental, uma parte do mundo empresarial mais
lúcida sabe que isso pode implicar em sanções contra o Brasil. Pode criar
barreiras comerciais disfarçadas de barreiras ambientais e sanitárias. Então,
uma parte do empresariado sabe que é loucura sair tratorando a Amazônia,
transformar tudo quanto é terra indígena em plantação de soja. No meio desse
blocão bolsonarista, há nuances, então tem como costurar posições mais
moderadas.
Fonte: Jornal do Brasil
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