terça-feira, 22 de janeiro de 2019

OS CÓDIGOS DO MAL

JM Cunha Santos
Capítulo 5


Amar alguém.
Pena – reclusão de 20 anos, na mais completa solidão, sem direito a visitas nem defesa.
Parágrafo Único – Se o indivíduo comete o crime impelido pelos ensinamentos do Evangelho de Jesus, em atendimento às Leis Morais, imbuído de valores sociais, sem nenhum sinal de egoísmo ou orgulho, a pena será acrescida de um terço.
Era possível? Em algum momento da eternidade, naquele lugar brutal até aos olhos do meu espírito ainda impuro, olhares de ternura e de desejo, de piedade, benevolência, indulgência e perdão, tornaram-se puníveis aos Códigos do Mal, passaram a ser encarados com reservas porque, julgavam os donos do poder, toda forma de amor é uma ameaça à ordem estabelecida e a única ordem era obedecer cegamente.
- Quem ama desobedece, assim vaticinavam os legisladores.
O patíbulo, o cadafalso, o martírio, o confisco de cérebros, estavam reservados num espaço-tempo em que era amar o mais hediondo dos crimes. E como tudo aquilo era parecido com muito do que se vivia no planeta Terra!
Mas eu tinha estado na Casa de Ivonne, entre gentes que socorriam gentes, que amavam gentes, se apiedavam de gentes e mais oravam a Jesus pelos outros que por si mesmas. Numa quarta-feira, violão em punho, tinha uma poesia viva cantando ali. Ela colhia corações em plantações que eu não via. Marinava o mundo tão perto de Jesus que a cruz saía. As canções empurravam fé para dentro do meu corpo cadeado por erros, omissões e aflições. Mas nem mesmo aquela voz cheia de amor e fé me acalmava.
Quando meu outro corpo se deitou ao meu lado, possibilidade sobre a qual O Guru já havia me advertido, estava mal. Ferido de equimoses de outras vidas, machucado pela insanidade daquela lei insana, nem sequer sentia mais as minhas dores. Ele e eu deploravelmente tomados da mais pungente sensação de impotência, ante um mundo tão absurdo que se propunha a criminalizar o amor.
Mais humano que nunca, comecei a planejar em minha mente rebeliões sangrentas, a tomada do poder sob o comando de multidões furiosas e desvairadas, alianças políticas e belicistas com os maus espíritos e com as más pessoas, tão somente no objetivo de deletar para sempre, de todas as galáxias, os Códigos do Mal.
A meu lado, meu outro corpo arfava, gemia, resistia ao tresloucado das minhas intenções, falava das dimensões diversas em que habitávamos, dos mundos felizes, dos espíritos puros, do Deus imaterial, imutável, soberanamente justo e bom.
Não queria ouvi-lo e nossos ligamentos se rompiam enquanto, impiedosos um com o outro, trocávamos de dor. Eu sequer entendia porque estava condenado a sempre voltar ali. Naquele momento tomava-me um espírito de guerreiro, cruel, devastador como os deuses e semideuses mitológicos, disposto a arrancar fluídos e a resolver com sangue uma disputa que poderia atravessar os séculos sem nenhuma solução. Foi quando aquela voz potente e suave, firme e complacente, alcançou meus dois corpos.
- Pigmeu, para estar perto de Jesus, é preciso ficar longe dos homens!
Era O Médium. E isso mudaria tudo.

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