JM Cunha Santos
Capítulo 5
Amar alguém.
Pena – reclusão de
20 anos, na mais completa solidão, sem direito a visitas nem defesa.
Parágrafo Único –
Se o indivíduo comete o crime impelido pelos ensinamentos do Evangelho de
Jesus, em atendimento às Leis Morais, imbuído de valores sociais, sem nenhum
sinal de egoísmo ou orgulho, a pena será acrescida de um terço.
Era possível? Em algum momento da eternidade, naquele lugar brutal até
aos olhos do meu espírito ainda impuro, olhares de ternura e de desejo, de
piedade, benevolência, indulgência e perdão, tornaram-se puníveis aos Códigos
do Mal, passaram a ser encarados com reservas porque, julgavam os donos do
poder, toda forma de amor é uma ameaça à ordem estabelecida e a única ordem era
obedecer cegamente.
- Quem ama desobedece, assim vaticinavam os legisladores.
O patíbulo, o cadafalso, o martírio, o confisco de cérebros, estavam
reservados num espaço-tempo em que era amar o mais hediondo dos crimes. E como
tudo aquilo era parecido com muito do que se vivia no planeta Terra!
Mas eu tinha estado na Casa de Ivonne, entre gentes que socorriam
gentes, que amavam gentes, se apiedavam de gentes e mais oravam a Jesus pelos
outros que por si mesmas. Numa quarta-feira, violão em punho, tinha uma poesia
viva cantando ali. Ela colhia corações em plantações que eu não via. Marinava o
mundo tão perto de Jesus que a cruz saía. As canções empurravam fé para dentro
do meu corpo cadeado por erros, omissões e aflições. Mas nem mesmo aquela voz
cheia de amor e fé me acalmava.
Quando meu outro corpo se deitou ao meu lado, possibilidade sobre a qual
O Guru já havia me advertido, estava mal. Ferido de equimoses de outras vidas,
machucado pela insanidade daquela lei insana, nem sequer sentia mais as minhas
dores. Ele e eu deploravelmente tomados da mais pungente sensação de
impotência, ante um mundo tão absurdo que se propunha a criminalizar o amor.
Mais humano que nunca, comecei a planejar em minha mente rebeliões
sangrentas, a tomada do poder sob o comando de multidões furiosas e
desvairadas, alianças políticas e belicistas com os maus espíritos e com as más
pessoas, tão somente no objetivo de deletar para sempre, de todas as galáxias,
os Códigos do Mal.
A meu lado, meu outro corpo arfava, gemia, resistia ao tresloucado das
minhas intenções, falava das dimensões diversas em que habitávamos, dos mundos
felizes, dos espíritos puros, do Deus imaterial, imutável, soberanamente justo
e bom.
Não queria ouvi-lo e nossos ligamentos se rompiam enquanto, impiedosos
um com o outro, trocávamos de dor. Eu sequer entendia porque estava condenado a
sempre voltar ali. Naquele momento tomava-me um espírito de guerreiro, cruel, devastador
como os deuses e semideuses mitológicos, disposto a arrancar fluídos e a
resolver com sangue uma disputa que poderia atravessar os séculos sem nenhuma
solução. Foi quando aquela voz potente e suave, firme e complacente, alcançou
meus dois corpos.
- Pigmeu, para estar perto de Jesus, é preciso ficar longe dos homens!
Era O Médium. E isso
mudaria tudo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário