O governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), diz esperar que o governo
federal tape buracos. Literalmente. Em plena safra da soja no país, a única
estrada que chega ao complexo portuário da ilha de São Luís está precisando de
reparos.
O primeiro
comunista a liderar um estado brasileiro vê a gestão Bolsonaro “tapando
buracos” também em uma de suas principais metas, a segurança pública. Deve
chegar esta terça (19) ao Congresso Nacional o pacote anticrime do ministro da
Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Para ele, trata-se de uma solução
falha.
Em entrevista ao
UOL, o governador, que é ex-juiz federal, criticou as medidas de Moro. Segundo
ele, elas vão na contramão do que Dino vêm tentando implementar no Maranhão nos
últimos anos.
Quando Dino foi
eleito pela primeira vez, em 2014, o estado nordestino enfrentava uma das
maiores crises da segurança pública no Brasil. No começo daquele ano, a
imprensa divulgou vídeos de presos degolados em Pedrinhas, complexo penitenciário
de São Luís. Quatro anos mais tarde, o governador comemora – com moderação – os
mais de 400 presos aprovados no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e aceitos
em postos de trabalho.
“Em todos os casos
do mundo que você analisa, a melhoria da segurança pública não passa apenas por
uma mudança de lei. Você tem em primeiro lugar o enfrentamento de questões
sociais, e em segundo lugar a boa gestão do sistema. Na hora que você prioriza
um pacto legislativo, você está com a prioridade errada”, defende Dino.
Leia a entrevista
completa:
UOL – O senhor deu declarações dizendo que é necessário “analisar as consequências” do pacote anticrime do ministro Sergio Moro. Qual é a sua avaliação geral sobre o texto e que consequências são essas?
UOL – O senhor deu declarações dizendo que é necessário “analisar as consequências” do pacote anticrime do ministro Sergio Moro. Qual é a sua avaliação geral sobre o texto e que consequências são essas?
Flávio Dino – Tenho duas observações
gerais: a primeira, é que quem estuda a segurança pública no Brasil tem
sublinhado ao longo das últimas décadas que mais importante do que a mudança de
leis são as mudanças de gestão e de práticas. Gastar muita energia em mudança
de leis, quando o centro do problema está na estrutura e na forma de atuação do
sistema policial de modo geral, é uma prioridade equivocada.
A segunda
observação diz respeito ao sentido, à direção das mudanças legais propostas.
Todas vão na mesma direção, portanto colherão as mesmas consequências, que é a
ampliação do número de pessoas presas. Ora, no momento que você amplia o número
de pessoas presas, se não houver simultaneamente investimentos e condições para
o sistema penitenciário dar conta dessa demanda, nós teremos na verdade um
efeito negativo em relação aquilo que vem sendo anunciado como um dos objetivos
principais: combater o poder das facções criminosas.
Mas o número de
presos também aumentou muito no Maranhão nos últimos anos e os presídios do
estado estão superlotados. Por que isso aconteceu? Como o estado lida com essa
questão?
Nós investimos
bastante na polícia, porque tínhamos uma taxa de homicídio muito alta no
Maranhão. Por exemplo, na região metropolitana de São Luís nós chegamos a ter
mil homicídios em um ano. Nós fechamos ano passado na casa dos 300 e pouco, ou
seja, uma redução de mais de 60%. Isso derivou do fato de eu ter colocado mil
viaturas novas nas ruas, de eu ter colocado quase 5.000 policiais novos, de
concursos públicos, então esses números de investimento na política tiveram
esse efeito.
Ao mesmo tempo o
sistema de justiça infelizmente não acompanhou com a mesma velocidade o aumento
da eficiência policial. A justiça mantém ainda um grande número de presos
provisórios – se você pegar nossa população carcerária, 40% são de presos que
não foram julgados ainda. E isso não é uma questão que caiba ao governo, mas
sim a outros poderes do Estado.
Esse aumento da
população carcerária está relacionado à diminuição dos homicídios no Maranhão e
em São Luís, particularmente?
Está associado de
um modo geral à ampliação da eficiência da polícia. Uma política mais eficiente
resulta nesses dois subprodutos: de um lado a diminuição das taxas de
criminalidade, de outro, como o caminho legal é exatamente o sistema prisional,
acabou tendo esse impacto. É uma questão que compete, como eu te disse, a
outros poderes. Que diz respeito ao uso de penas alternativas e medidas
despenalizadoras etc.
“No Brasil, o
cárcere ainda é visto como caminho principal de repressão. Mais policiais, mais
investigação, mais prevenção, mais pessoas presas. Infelizmente é assim que tem
sido”.
Retomando o seu
raciocínio, isso não tem também como consequência o fortalecimento do crime
organizado?
Se você não tiver
investimentos na ampliação de vagas, sim. Por isso frisei no começo que se você
propõe aumento da população carcerária, você tem que paralelamente investir em
medidas que garantam que esse efeito indesejável não aconteça. Ou seja, você tem
que investir em gestão, que é o que temos feito aqui, tanto que se você pegar
as taxas de letalidade e de fuga dentro do sistema penitenciário do Maranhão
elas são declinantes, todas elas.
O complexo de
Pedrinhas se tornou símbolo da calamidade dos presídios brasileiros. O que
Pedrinhas diz sobre a lógica de combate à violência hoje no Brasil?
Existe o risco de
que esse cenário se repita? Acho que esses casos, alguns mais antigos, outros
mais recentes, mostram que é imprescindível quando se cuida de segurança
pública não apenas mudar leis, não apenas entupir as penitenciárias, mas cuidar
do sistema. O que fizemos em Pedrinhas? Eliminamos a terceirização
indiscriminada que havia lá com concurso público. Melhoramos os recursos
humanos. Treinamos, capacitamos, ampliamos as oportunidades de trabalho e de
estudo. Nós tivemos no último Enem 900 presos inscritos, metade foi aprovada. É
claro que ele não é um sistema ainda imune a falhas, porque é um processo que
leva tempo, mas a gente caminha na direção certa e as estatísticas mostram
isso.
“Exemplo é uma
palavra muito forte, mas acho que isso pode servir de referência, diria, do que
tem que acontecer a nível de Brasil. Não apenas essa demagogia populista,
simbólica e equivocada de prender todo mundo, mas cuidar também do modo como as
pessoas são presas, porque se forem presas de qualquer forma, você tá
justamente aumentando a violência na sociedade, o que, claro, ninguém deseja”.
Um dos pontos que
gerou mais discussão sobre o documento foi a questão da legítima defesa, ou o
excludente de ilicitude. Pode-se dizer que se trata de uma licença para matar?
As causas de
excludente de ilicitude já existentes no código penal são suficientes: legítima
defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito e cumprimento do
dever legal. Não há nenhum sentido em alterar isso.
Da forma como foi
proposto, na verdade, você terá a ampliação de casos de sacrifício de vidas.
Nós vimos infelizmente uma tragédia, um caso prático, do que pode acontecer com
a generalização dessa nova excludente de ilicitude, essa nova legítima defesa,
que foi o caso do supermercado Extra. É tipicamente o que o Sérgio Moro está
tentando legalizar – ou seja, o chamado excesso.
A pessoa, o
vigilante no caso, tomado por um medo, justificaria o seu excesso. “Eu me
excedi porque estava tomado pelo medo, pela surpresa, pelo espanto”, que são as
palavras que estão no projeto.
O pacote também
prevê a prisão após condenação em segunda instância, um ponto que deve ser
revisto pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ainda neste ano. Acha que a decisão
perdurará?
Realmente é uma
coisa inútil, porque o que vai prevalecer é a interpretação do Supremo sobre a
Constituição, independente do que esteja no código de processo penal. É uma
medida que realmente parece uma preocupação de defender o que ele [o ministro
Sergio Moro] próprio fez no caso do Lula. Mais uma defesa de um ponto de vista
do que propriamente a solução de um problema.
Rui Costa deu uma
entrevista à Folha defendendo o pacote e o endurecimento de penas, que é uma
ideia promovida pelo governo Bolsonaro. Como vê essas declarações vindas de
outro governador do Nordeste e de um partido aliado como o PT?
Eu não vi a
entrevista do Rui, também não conversei com ele sobre isso. Imagino que ele
esteja se referindo a uma ou outra medida. O pacote não é de todo ruim, tem
coisas razoáveis. O problema é que o conjunto da obra é ruim. A história
brasileira mostra que não é puramente aumentando pena que você diminui a
criminalidade.
Quais são as
medidas positivas no pacote?
Me agrada por
exemplo a introdução da chamada barganha, o “plea bargain”. Acho que isso
aparece em bons termos ali. É uma via rápida para crimes de menor potencial
ofensivo, com pena de até quatro anos, e que podem se converter nas chamadas
penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade para crimes
cometidos sem violência. É algo que pode agilizar o conjunto do sistema de
Justiça. Você está liberando tempo do judiciário para cuidar dos casos mais
graves.
O “plea bargain”
até agora estava sendo feito de forma clandestina, como foi feito muitas vezes
no âmbito da chamada Operação Lava Jato. Foram feitas várias barganhas que
ultrapassavam inclusive o conceito de delação premiada. Por isso acho que ter
lei é importante e acho que ajuda o sistema de justiça a melhorar sua atuação.
O projeto deve ser
apresentado nesta terça (19) ao Congresso. Qual sua expectativa para tramitação
dele no legislativo?
Dá para aprová-lo
simultaneamente à reforma da Previdência? Vou te responder levando em conta
dois fatores. O primeiro é a imensa confusão política em que o governo está
imerso há várias semanas, ou talvez desde a sua posse. Essa confusão política
atrapalha muito na medida em que os governos são líderes do processo
legislativo no Brasil – você tem que ter o governo liderando para o processo
legislativo andar.
O segundo aspecto
diz respeito à experiência parlamentar. Pacotes muito amplos como esse são a
melhor receita para andar devagar. Se você prioriza poucos temas, fica mais
fácil de tramitar. Eu acredito que esse debate vai estar posto no Congresso
durante todo o ano.
Acha que a possível
demissão do secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, sinaliza para
uma crise maior?
O que a saída de um
ministro em apenas dois meses de governo significa? Significa que é um governo
sem liderança, sobretudo isso. A impressão externa é que são vários governos ao
mesmo tempo se digladiando entre si, sem que você tenha uma liderança clara do
rumo a adotar. A continuar por esse caminho, a chance de dar certo é muito pequena
de fato.
O que espera do
governo Bolsonaro em termos de políticas para o Nordeste, considerando esses
dois primeiros meses de governo?
Não deu ainda para
avaliar nada, até porque não houve sequer uma reunião oficial do Presidente da
República com os governadores – nem do Nordeste, nem de nenhuma outra região.
Não houve ainda uma iniciativa do governo federal de fazer exatamente essa
pergunta que você acabou de me fazer: qual é a agenda que os estados esperam.
No momento não há o que avaliar, é aguardar e torcer para dar certo.
Eu,
particularmente, quero debater a retomada do crescimento econômico, o fim da
recessão, a geração de empregos e a realização de investimentos. Investimentos
que são importantes, por exemplo, nas estradas federais. Nesse momento nós
estamos no Maranhão com o principal acesso à ilha de São Luís, e portanto ao
complexo portuário que é o maior do país, prejudicado pelas péssimas condições
da BR-135, que é a única estrada que entra na ilha. Estamos há semanas lutando
com o governo federal para ver se ele tapa os buracos da BR, porque estamos em
plena safra da soja.
Do UOL
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