terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Foco em prender mais é “demagogia populista”, diz ex-juiz e governador Dino




O governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), diz esperar que o governo federal tape buracos. Literalmente. Em plena safra da soja no país, a única estrada que chega ao complexo portuário da ilha de São Luís está precisando de reparos.

O primeiro comunista a liderar um estado brasileiro vê a gestão Bolsonaro “tapando buracos” também em uma de suas principais metas, a segurança pública. Deve chegar esta terça (19) ao Congresso Nacional o pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Para ele, trata-se de uma solução falha.
Em entrevista ao UOL, o governador, que é ex-juiz federal, criticou as medidas de Moro. Segundo ele, elas vão na contramão do que Dino vêm tentando implementar no Maranhão nos últimos anos.
Quando Dino foi eleito pela primeira vez, em 2014, o estado nordestino enfrentava uma das maiores crises da segurança pública no Brasil. No começo daquele ano, a imprensa divulgou vídeos de presos degolados em Pedrinhas, complexo penitenciário de São Luís. Quatro anos mais tarde, o governador comemora – com moderação – os mais de 400 presos aprovados no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e aceitos em postos de trabalho.
“Em todos os casos do mundo que você analisa, a melhoria da segurança pública não passa apenas por uma mudança de lei. Você tem em primeiro lugar o enfrentamento de questões sociais, e em segundo lugar a boa gestão do sistema. Na hora que você prioriza um pacto legislativo, você está com a prioridade errada”, defende Dino.
Leia a entrevista completa:
UOL – O senhor deu declarações dizendo que é necessário “analisar as consequências” do pacote anticrime do ministro Sergio Moro. Qual é a sua avaliação geral sobre o texto e que consequências são essas?
Flávio Dino – Tenho duas observações gerais: a primeira, é que quem estuda a segurança pública no Brasil tem sublinhado ao longo das últimas décadas que mais importante do que a mudança de leis são as mudanças de gestão e de práticas. Gastar muita energia em mudança de leis, quando o centro do problema está na estrutura e na forma de atuação do sistema policial de modo geral, é uma prioridade equivocada.
A segunda observação diz respeito ao sentido, à direção das mudanças legais propostas. Todas vão na mesma direção, portanto colherão as mesmas consequências, que é a ampliação do número de pessoas presas. Ora, no momento que você amplia o número de pessoas presas, se não houver simultaneamente investimentos e condições para o sistema penitenciário dar conta dessa demanda, nós teremos na verdade um efeito negativo em relação aquilo que vem sendo anunciado como um dos objetivos principais: combater o poder das facções criminosas.
Mas o número de presos também aumentou muito no Maranhão nos últimos anos e os presídios do estado estão superlotados. Por que isso aconteceu? Como o estado lida com essa questão?
Nós investimos bastante na polícia, porque tínhamos uma taxa de homicídio muito alta no Maranhão. Por exemplo, na região metropolitana de São Luís nós chegamos a ter mil homicídios em um ano. Nós fechamos ano passado na casa dos 300 e pouco, ou seja, uma redução de mais de 60%. Isso derivou do fato de eu ter colocado mil viaturas novas nas ruas, de eu ter colocado quase 5.000 policiais novos, de concursos públicos, então esses números de investimento na política tiveram esse efeito.
Ao mesmo tempo o sistema de justiça infelizmente não acompanhou com a mesma velocidade o aumento da eficiência policial. A justiça mantém ainda um grande número de presos provisórios – se você pegar nossa população carcerária, 40% são de presos que não foram julgados ainda. E isso não é uma questão que caiba ao governo, mas sim a outros poderes do Estado.
Esse aumento da população carcerária está relacionado à diminuição dos homicídios no Maranhão e em São Luís, particularmente?
Está associado de um modo geral à ampliação da eficiência da polícia. Uma política mais eficiente resulta nesses dois subprodutos: de um lado a diminuição das taxas de criminalidade, de outro, como o caminho legal é exatamente o sistema prisional, acabou tendo esse impacto. É uma questão que compete, como eu te disse, a outros poderes. Que diz respeito ao uso de penas alternativas e medidas despenalizadoras etc.
“No Brasil, o cárcere ainda é visto como caminho principal de repressão. Mais policiais, mais investigação, mais prevenção, mais pessoas presas. Infelizmente é assim que tem sido”.
Retomando o seu raciocínio, isso não tem também como consequência o fortalecimento do crime organizado?
Se você não tiver investimentos na ampliação de vagas, sim. Por isso frisei no começo que se você propõe aumento da população carcerária, você tem que paralelamente investir em medidas que garantam que esse efeito indesejável não aconteça. Ou seja, você tem que investir em gestão, que é o que temos feito aqui, tanto que se você pegar as taxas de letalidade e de fuga dentro do sistema penitenciário do Maranhão elas são declinantes, todas elas.
O complexo de Pedrinhas se tornou símbolo da calamidade dos presídios brasileiros. O que Pedrinhas diz sobre a lógica de combate à violência hoje no Brasil?
Existe o risco de que esse cenário se repita? Acho que esses casos, alguns mais antigos, outros mais recentes, mostram que é imprescindível quando se cuida de segurança pública não apenas mudar leis, não apenas entupir as penitenciárias, mas cuidar do sistema. O que fizemos em Pedrinhas? Eliminamos a terceirização indiscriminada que havia lá com concurso público. Melhoramos os recursos humanos. Treinamos, capacitamos, ampliamos as oportunidades de trabalho e de estudo. Nós tivemos no último Enem 900 presos inscritos, metade foi aprovada. É claro que ele não é um sistema ainda imune a falhas, porque é um processo que leva tempo, mas a gente caminha na direção certa e as estatísticas mostram isso.
“Exemplo é uma palavra muito forte, mas acho que isso pode servir de referência, diria, do que tem que acontecer a nível de Brasil. Não apenas essa demagogia populista, simbólica e equivocada de prender todo mundo, mas cuidar também do modo como as pessoas são presas, porque se forem presas de qualquer forma, você tá justamente aumentando a violência na sociedade, o que, claro, ninguém deseja”.
Um dos pontos que gerou mais discussão sobre o documento foi a questão da legítima defesa, ou o excludente de ilicitude. Pode-se dizer que se trata de uma licença para matar?
As causas de excludente de ilicitude já existentes no código penal são suficientes: legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito e cumprimento do dever legal. Não há nenhum sentido em alterar isso.
Da forma como foi proposto, na verdade, você terá a ampliação de casos de sacrifício de vidas. Nós vimos infelizmente uma tragédia, um caso prático, do que pode acontecer com a generalização dessa nova excludente de ilicitude, essa nova legítima defesa, que foi o caso do supermercado Extra. É tipicamente o que o Sérgio Moro está tentando legalizar – ou seja, o chamado excesso.
A pessoa, o vigilante no caso, tomado por um medo, justificaria o seu excesso. “Eu me excedi porque estava tomado pelo medo, pela surpresa, pelo espanto”, que são as palavras que estão no projeto.
O pacote também prevê a prisão após condenação em segunda instância, um ponto que deve ser revisto pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ainda neste ano. Acha que a decisão perdurará?
Realmente é uma coisa inútil, porque o que vai prevalecer é a interpretação do Supremo sobre a Constituição, independente do que esteja no código de processo penal. É uma medida que realmente parece uma preocupação de defender o que ele [o ministro Sergio Moro] próprio fez no caso do Lula. Mais uma defesa de um ponto de vista do que propriamente a solução de um problema.
Rui Costa deu uma entrevista à Folha defendendo o pacote e o endurecimento de penas, que é uma ideia promovida pelo governo Bolsonaro. Como vê essas declarações vindas de outro governador do Nordeste e de um partido aliado como o PT?
Eu não vi a entrevista do Rui, também não conversei com ele sobre isso. Imagino que ele esteja se referindo a uma ou outra medida. O pacote não é de todo ruim, tem coisas razoáveis. O problema é que o conjunto da obra é ruim. A história brasileira mostra que não é puramente aumentando pena que você diminui a criminalidade.
Quais são as medidas positivas no pacote?
Me agrada por exemplo a introdução da chamada barganha, o “plea bargain”. Acho que isso aparece em bons termos ali. É uma via rápida para crimes de menor potencial ofensivo, com pena de até quatro anos, e que podem se converter nas chamadas penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade para crimes cometidos sem violência. É algo que pode agilizar o conjunto do sistema de Justiça. Você está liberando tempo do judiciário para cuidar dos casos mais graves.
O “plea bargain” até agora estava sendo feito de forma clandestina, como foi feito muitas vezes no âmbito da chamada Operação Lava Jato. Foram feitas várias barganhas que ultrapassavam inclusive o conceito de delação premiada. Por isso acho que ter lei é importante e acho que ajuda o sistema de justiça a melhorar sua atuação.
O projeto deve ser apresentado nesta terça (19) ao Congresso. Qual sua expectativa para tramitação dele no legislativo?
Dá para aprová-lo simultaneamente à reforma da Previdência? Vou te responder levando em conta dois fatores. O primeiro é a imensa confusão política em que o governo está imerso há várias semanas, ou talvez desde a sua posse. Essa confusão política atrapalha muito na medida em que os governos são líderes do processo legislativo no Brasil – você tem que ter o governo liderando para o processo legislativo andar.
O segundo aspecto diz respeito à experiência parlamentar. Pacotes muito amplos como esse são a melhor receita para andar devagar. Se você prioriza poucos temas, fica mais fácil de tramitar. Eu acredito que esse debate vai estar posto no Congresso durante todo o ano.
Acha que a possível demissão do secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, sinaliza para uma crise maior?
O que a saída de um ministro em apenas dois meses de governo significa? Significa que é um governo sem liderança, sobretudo isso. A impressão externa é que são vários governos ao mesmo tempo se digladiando entre si, sem que você tenha uma liderança clara do rumo a adotar. A continuar por esse caminho, a chance de dar certo é muito pequena de fato.
O que espera do governo Bolsonaro em termos de políticas para o Nordeste, considerando esses dois primeiros meses de governo?
Não deu ainda para avaliar nada, até porque não houve sequer uma reunião oficial do Presidente da República com os governadores – nem do Nordeste, nem de nenhuma outra região. Não houve ainda uma iniciativa do governo federal de fazer exatamente essa pergunta que você acabou de me fazer: qual é a agenda que os estados esperam. No momento não há o que avaliar, é aguardar e torcer para dar certo.
Eu, particularmente, quero debater a retomada do crescimento econômico, o fim da recessão, a geração de empregos e a realização de investimentos. Investimentos que são importantes, por exemplo, nas estradas federais. Nesse momento nós estamos no Maranhão com o principal acesso à ilha de São Luís, e portanto ao complexo portuário que é o maior do país, prejudicado pelas péssimas condições da BR-135, que é a única estrada que entra na ilha. Estamos há semanas lutando com o governo federal para ver se ele tapa os buracos da BR, porque estamos em plena safra da soja.
Do UOL

Nenhum comentário:

Postar um comentário