JM
Cunha Santos
A
poesia me obriga a não ser feliz
e
eu louvo a necessidade do sofrimento
Eu
louvo o coração das pitonisas
e
faço aqui minha evocação druida: couro e sangue para os apóstolos
que,
cansado de ter alma, pulso como um raio que se quebra ao meio
um
Deus que se afoga a caminho da extrema-unção
Meu
corpo é muito longe para que o tempo todo eu esteja com ele
minha
voz se limita ao que nunca vou dizer
Eu
quero convulsões, preciso de convulsões para fazer parar esse futuro
e
fazer cessar esse debate de amor com meu cadáver
Sempre
o sonho de possuir o que já tinha
Sempre
o sonho de devolver o que tomava
Sempre
o sonho de encontrar o que já estava ali
Uma
culpa, Senhor Deus, me dê alguma culpa
para
que eu não seja puro
alguma
guerra para que eu não seja pacífico
um
pecado só para que eu mereça algum castigo
e
estarei contente de existir
Mas
era ali, entre os justos, que eu renascia
Ali,
entre vultos desossados, que se cumpria meu segundo destino
o
de salvar almas a caminho do inferno em hecatombe
o
de habitar o lodo e expurgar dos ímpios a miséria sensorial
Quem
sou eu, agora, para continuar me sendo - perguntava
Quem,
para acender sois que nunca serão vistos por outros olhos
Quem,
para juntar todos esses destinos que fiz com minhas mãos
Místico
de todos os umbrais, fedendo a esperanças encardidas
vagando
entre os abismos das estrelas
passageiro
de nebulosas e asteroides fictícios
só
me interessava salvar da fome os que mordiam seus semelhantes
somente
não querer ouvir os gritos de desespero do planeta Terra
habitar
silêncios e escuridão porque, ali, eu ainda me sentia menos morto
Oh,
Pai, porque tanta carne faminta no meu porão
Porque
sangram tantos cães e tanta gente sente medo
e
ainda me pedes para perdoar os tiranos, acariciar os déspotas
assistir
impávido ao genocídio de todas as ternuras
ver
crianças destroçadas pela ególatra eficiência da raiva humana
e
presentear com meu perdão os demônios que varrem a bala minha necessidade de
Amor
Eu
vim para esse campo em busca de outras histórias
que
contassem do poder do beijo sobre o horror multiplicado das armas
Eu
quis que todos se esfregassem em protesto contra a hipocrisia da moral humana
e
que nascessem anjos nesse inferno de guerras, genocídios e desilusão
Eu
quis que o passado não passasse e que o futuro viesse com o passado ainda aqui
Mas
me levaram tudo – a valsa, a voz, a vela, a vidência e a vida
e
só o que passa por mim agora são essas almas ruins que eu não sei de onde vem
E
só me resta cantar; cantar enquanto grito, amar enquanto odeio, praguejar
enquanto oro
Na
condição desumana de também querer ser Deus e nunca ter motivos para perdoar
ninguém
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