Em carta entregue a Celso Amorim, Lula criticou a demora na análise do
habeas corpus por parte do STF. Julgamento pode ser adiado mais uma vez após
manobra de Cármen Lúcia
Com a notícia do possível adiamento do
julgamento de seu pedido de habeas corpus por suspeição do ex-juiz federal
Sérgio Moro, o ex-presidente Lula se manifestou em carta enviada ao ex-ministro
de Relações Exteriores, Celso Amorim, em que cobra que uma decisão judical saia
logo, destacando ter consciência das pressões que o STF tem sofrido nacional e
internacionalmente.
“Meus advogados recorreram ao Supremo Tribunal Federal, para que eu
tenha finalmente um processo e um julgamento justos, o que nunca tive nas mãos
de Sergio Moro. Muita gente poderosa, no Brasil e até de outros países, quer
impedir essa decisão, ou continuar adiando, o que dá no mesmo para quem está
preso injustamente”, disse o ex-presidente em carta ao ex-ministro de Relações
Exteriores Celso Amorim lamentando um novo adiamento.
Lula ainda questionou a demora nesse julgamento e pediu que ele seja feito
com base em provas, não em “convicções”. “Quero ser julgado dentro do processo
legal, com base em provas, e não em convicções. Quero ser julgado pelas leis do
meu país, e não pelas manchetes dos jornais. A pergunta que faço todos os dias
aqui onde estou é uma só: por que tanto medo da verdade? A resposta não
interessa apenas a mim, mas a todos que esperam por Justiça”, afirmou.
A Vaza Jato deu um novo fôlego para o pedido de habeas corpus feito pela
defesa, apesar dele não ser base do HC, que foi apresentado em dezembro de
2018. A votação está 2 a 0 contra Lula, mas ainda faltam Gilmar Mendes, Marco
Aurélio Mello e Celso de Mello.
Confira a carta na íntegra
“Querido amigo,
A cada dia fico mais preocupado com o que está acontecendo em nosso
Brasil. As notícias que recebo são de desemprego, crise nas escolas e
hospitais, a redução e até mesmo o fim dos programas que ajudam o povo, a volta
da fome. Sei que estão entregando as riquezas do país aos estrangeiros,
destruindo ou privatizando o que nossa gente construiu com tanto sacrifício.
Traindo a soberania nacional.
É difícil manter a esperança numa situação como essa, mas o brasileiro
não desiste nunca, não é verdade? Não perco a fé no nosso povo, o que me ajuda
a não fraquejar na prisão injusta em que estou faz mais de um ano. Você deve se
lembrar que no dia 7 de abril de 2018, ao me despedir dos companheiros em São
Bernardo, falei que estava cumprindo a decisão do juiz, mas certo de que minha
inocência ainda seria reconhecida. E que seria anulada a farsa montada para me
prender sem ter cometido crime. Continuo acreditando.
Todos os dias acordo pensando que estou mais perto da libertação, porque
o meu caso não tem mistério. É só ler as provas que os advogados reuniram: que
o tal tríplex nunca foi meu, nem de fato nem de direito, e que nem na
construção nem a reforma entrou dinheiro de contratos com a Petrobrás. São
fatos que o próprio Sergio Moro reconheceu quando teve de responder o recurso
da defesa.
É só analisar o processo com imparcialidade para ver que o Moro estava
decidido a me condenar antes mesmo de receber a denúncia dos procuradores. Ele
mandou invadir minha casa e me levar à força pra depor sem nunca ter me
intimado. Mandou grampear meus telefonemas, da minha mulher, meus filhos e até
dos meus advogados, o que é gravíssimo numa democracia. Dirigia os interrogatórios,
como se fosse o meu acusador, e não deixava a defesa fazer perguntas. Era um
juiz que tinha lado, o lado da acusação.
A denúncia contra mim era tão falsa e inconsistente que, para me
condenar, o Moro mudou as acusações feitas pelos promotores. Me acusaram de ter
recebido um imóvel em troca de favor mas, como viram que não era meu, ele me
condenou dizendo que foi “atribuído” a mim. Me acusaram de ter feito atos para
beneficiar uma empresa. Mas nunca houve ato nenhum e aí ele me condenou por
“atos indeterminados”. Isso não existe na lei nem no direito, só na cabeça de
quem queria condenar de qualquer jeito.
A parcialidade dele se confirmou até pelo que fez depois de me condenar
e prender. Em julho do ano passado, quando um desembargador do TRF-4 mandou me
soltar, o Moro interrompeu as férias para acionar outro desembargador, amigo
dele, que anulou a decisão. Em setembro, ele fez de tudo para proibir que eu
desse uma entrevista. Pensei que fosse pura mesquinharia, mas entendi a razão
quando ele divulgou, na véspera da eleição, um depoimento do Palocci que de tão
falso nem serviu para o processo. O que o Moro queria era prejudicar nosso
candidato e ajudar o dele.
Se alguém ainda tinha dúvida sobre de que lado o juiz sempre esteve e
qual era o motivo de me perseguir, a dúvida acabou quando ele aceitou ser
ministro da Justiça do Bolsonaro. E toda a verdade ficou clara: fui acusado,
julgado e condenado sem provas para não disputar as eleições. Essa era única
forma do candidato dele vencer.
A Constituição e a lei determinam que um processo é nulo se o juiz não
for imparcial e independente. Se o juiz tem interesse pessoal ou político num
caso, se tem amizade ou inimizade com a pessoa a ser julgada, ele tem de se
declarar suspeito e impedido. É o que fazem os magistrados honestos, de
caráter. Mas o Moro, não. Ele sempre recusou se declarar impedido no meu caso,
apesar de todas as evidências de que era meu inimigo político.
Meus advogados recorreram ao Supremo Tribunal Federal, para que eu tenha
finalmente um processo e um julgamento justos, o que nunca tive nas mãos de
Sergio Moro. Muita gente poderosa, no Brasil e até de outros países, quer
impedir essa decisão, ou continuar adiando, o que dá no mesmo para quem está
preso injustamente.
Alguns dizem que ao anular meu processo estarão anulando todas as
decisões da Lava Jato, o que é uma grande mentira pois na Justiça cada caso é
um caso. Também tentam confundir, dizendo que meu caso só poderia ser julgado
depois de uma investigação sobre as mensagens entre Moro e os procuradores que
estão sendo reveladas nos últimos dias. Acontece que nós entramos com a ação em
novembro do ano passado, muito antes dos jornalistas do Intercept divulgarem
essas notícias. Já apresentamos provas suficientes de que o juiz é suspeito e não
foi imparcial.
Tudo que espero, caro amigo, é que a justiça finalmente seja feita. Tudo
o que quero é ter direito a um julgamento justo, por um juiz imparcial, para
poder demonstrar com fatos que sou inocente de tudo o que me acusaram. Quero
ser julgado dentro do processo legal, com base em provas, e não em convicções.
Quero ser julgado pelas leis do meu país, e não pelas manchetes dos jornais.
A pergunta que faço todos os dias aqui onde estou é uma só: por que
tanto medo da verdade? A resposta não interessa apenas a mim, mas a todos que
esperam por Justiça.
Quero me despedir dizendo até breve, meu amigo. Até o dia da verdade
libertadora. Um grande abraço do
Lula
Curitiba, 24 de
junho de 2019″
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