O
JEJUM
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Tu comeu escondido!
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Não. Tu comeu escondido. Falei, ontem mesmo com teu caseiro em Manhattan e ele
me disse que enviou uma partida de 19 Kg de lagosta aqui para tua mansão no
Brasil.
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Ele também comeu escondido. Liguei para o mordomo dele. 12 arrobas de filé
mignon, 3 de peito de faisão e muito caviar russo deram entrada em sua
residência.
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Que nada, bêbado! Tu recebeu champanhe e vinhos franceses para um lauto almoço
em tua casa, enquanto fingia fazer jejum.
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Eu jejuei, juro que jejuei. Mas o meu maior jejum, hoje, é de dízimos e
ofertas. Na seca, não dá nem para fazer milagres.
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Não dá mesmo. Ainda não sei como vou pagar os cadeirantes, aidéticos e cancerosos que “curei” antes de proibirem os
cultos presenciais nas igrejas.
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Oh Deus, será que eles não entendem que nossa atividade é essencial, que nossos
fieis não se importam de morrer contaminados por esse vírus porque já têm um
lugar garantido no céu?
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O negócio é a gente calcular o que foi perdido em dízimos e ofertas nesse
período de isolamento e pedir ao presidente uma Renda Básica Divina para
pastores, bispos e diáconos antes que esse vírus nos leve à falência.
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Mas não é aquela miséria de 600 reais, é?
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Não, não. O presidente é nosso e no país inteiro, hoje, para o bem ou para mal,
ele só tem o nosso apoio. Nem os ministros mais querem ele lá.
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Pois é. Sem dízimos, sem ofertas e sem a Renda Básica Divina, fico preocupado
com a manutenção do meu e dos jatos particulares da minha família. Sinceramente...
Nesse miserê fica difícil seguir a Deus e pregar o evangelho do Senhor Jesus
Cristo.
E
magro, muito magro, faminto, negando a existência da Santíssima Trindade,
praguejando contra Jeová e os Apóstolos, olhos sanguinolentos, mergulhado em
fúria, o presidente apareceu.
Revoltado,
publicamente revoltado, desafiou os pastores, dizendo-se agora adepto da teoria
evolucionista de Charles Darwin, praguejou também contra o criacionismo,
defendeu às cegas o naturalismo junto com a terra plana, opondo-se a si mesmo,
dando sinais de irremovível insanidade filosófica.
Era,
naquele momento, o pau mandado de todas as heresias, o arauto das contaminações
letais, o cultor das expiações mais cruéis, o escravo de todas as seitas malditas.
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Eu sou um habitante da luz, repetiu várias vezes. Um Escolhido, mas parece que
fui atirado ao castigo eterno, jogado aos ímpios e, embora julgue ter a chave
do saber divino, ninguém mais me obedece, ninguém me segue, ninguém me ouve.
Vivo o maior jejum de poder que um presidente já viveu.
De
vocês, depois dos dias torturantes do jejum a que me submeti, esperava que as
orações operassem o milagre do meu retorno à cena política, todo poderoso como
sempre quis ser; nada aconteceu. Continuo com os generais no meu gogó, o
Ministério, os deputados federais, os senadores, os advogados e juízes, os
promotores, além daqueles malditos paneleiros que estão a me arrebentar os
tímpanos.
Não
vou mais ouvi-los. Tudo em que vocês pensam são dízimos e ofertas; não ligam se
eu me arrebentar, se me obrigarem a uma renúncia, se me afastarem.
Orastes
contra a pandemia e a pandemia ainda está aí, cada vez mais forte, sendo que
sou eu a sua maior vítima, o mais enclausurado, o mais entubado, o mais
isolado, o mais sozinho. Estou eu a exigir-lhes o milagre supremo: a volta do
capitão. Vão jejuar e orar por mim de novo, charlatães. E se em 48 horas eu não
tiver condições de demitir todos aqueles ministros, juro que vou usar o pouco
poder que me resta para interditar para sempre todas as suas igrejas.
Contritos, Malafaia, Edir Macedo e RR Soares se
ajoelharam, pedindo aos céus que os livrasse da fúria do capitão.
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