sexta-feira, 19 de junho de 2020

O AI-5 no esconderijo de Fabrício Queiroz


JM Cunha Santos


Desde que as imagens da prisão de Fabrício Queiroz circularam na TV, a pergunta não me sai da cabeça: porque ele estava ali, o AI-5? E somente na companhia da representação de um dos maiores mafiosos do mundo. Estaria se escondendo também ou a procura de amigos? Sobrou-lhe algum amigo?
Já não o víamos há muito tempo. Mas parecia cansado e pálido, precisando tomar sol o que, aliás, não permitiu a muita gente quando era o rei da cocada preta. Com ele, ver o sol nascer, só quadrado. Se visse.
Não sei porque, mas acho que envelheceu tanto que está com cara de suástica. Está velho o AI-5, e continua pesado, assombroso, aterrorizante. Pelo menos foi essa a impressão que eu tive ao vê-lo desfraldado como se quisesse impor uma nova ordem. Não percebi também nenhum sinal de arrependimento em suas faces. E a presença dele ali, solto, tremulando como bandeira de guerra, me deixou com um mal-estar compreensível. Afinal, sei o que ele fez. Toda a minha geração sabe. Abriu as portas para a censura, para a tortura, para as polícias políticas, para os desaparecimentos. Proibiu gente de cantar, prendeu poetas, matou dissidentes, ofuscou universidades, anulou a Justiça, fechou o Congresso, proibiu eleições e depois, assim como Fabrício Queiroz, sumiu. Sumiu como se fosse um bandido correndo da lei, ele próprio a lei durante muito tempo, acima de todas as faculdades humanas e aspirações nacionais.
Será que estava ali como símbolo ideológico de reuniões secretas desses que ainda conspiram por regimes totalitários? Será que foi lá para ser batizado pelo pastor Silas Malafaia, no caso, é claro, de ter se convertido ao evangelho do ódio que hoje pregam por aqui? Imaginem só o AI-5 na pele de um protestante ascético com o privilégio de decidir o que é certo e o que é errado, o que é justo e o que é injusto no Brasil, conforme a descoberta do sociólogo Jessé Sousa.
Pensei em mil razões para que o AI-5 fosse fazer companhia a Fabrício Queiroz em sua fuga solitária do Ministério Público, mas o fato é que nenhuma delas me convenceu. O mais provável é que não tenha mais onde morar. Por isso não posso deixar de pensar que esteja apenas retornando ao Brasil e que, por enquanto, preferiu ficar “na encolha” até que se confirme, de fato, o fim do regime democrático no país. Afinal, foi tratado aqui como dragão, aberração jurídica, monstro institucional que é e sabe muito bem aonde está pisando.
As investigações devem elucidar quem chegou primeiro ao consultório jurídico do advogado de Flávio Bolsonaro, se foi Fabrício Queiroz ou se foi o AI-5. Não chegaram juntos, é certo. O AI-5 está mais rasgado, menos confiante, mais atolado em dívidas com a Justiça e, principalmente, me pareceu emotivo e passional demais para sustentar uma nova ditadura.
Pode ser que um tenha convidado o outro para dividir a solidão ilegal de suas vidas. As milícias oficiais, a essas alturas do campeonato, estão precisando de leis draconianas para se protegerem da Justiça. E o AI-5, é certo, não suportaria conviver com esse incômodo cheiro de amor e liberdade.
Que volte, pois, para o inferno de onde veio!

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