JM
Cunha Santos
Desde
que as imagens da prisão de Fabrício Queiroz circularam na TV, a pergunta não
me sai da cabeça: porque ele estava ali, o AI-5? E somente na companhia da
representação de um dos maiores mafiosos do mundo. Estaria se escondendo também
ou a procura de amigos? Sobrou-lhe algum amigo?
Já
não o víamos há muito tempo. Mas parecia cansado e pálido, precisando tomar sol
o que, aliás, não permitiu a muita gente quando era o rei da cocada preta. Com
ele, ver o sol nascer, só quadrado. Se visse.
Não
sei porque, mas acho que envelheceu tanto que está com cara de suástica. Está
velho o AI-5, e continua pesado, assombroso, aterrorizante. Pelo menos foi essa
a impressão que eu tive ao vê-lo desfraldado como se quisesse impor uma nova
ordem. Não percebi também nenhum sinal de arrependimento em suas faces. E a
presença dele ali, solto, tremulando como bandeira de guerra, me deixou com um
mal-estar compreensível. Afinal, sei o que ele fez. Toda a minha geração sabe.
Abriu as portas para a censura, para a tortura, para as polícias políticas,
para os desaparecimentos. Proibiu gente de cantar, prendeu poetas, matou
dissidentes, ofuscou universidades, anulou a Justiça, fechou o Congresso, proibiu
eleições e depois, assim como Fabrício Queiroz, sumiu. Sumiu como se fosse um
bandido correndo da lei, ele próprio a lei durante muito tempo, acima de todas as
faculdades humanas e aspirações nacionais.
Será
que estava ali como símbolo ideológico de reuniões secretas desses que ainda
conspiram por regimes totalitários? Será que foi lá para ser batizado pelo
pastor Silas Malafaia, no caso, é claro, de ter se convertido ao evangelho do
ódio que hoje pregam por aqui? Imaginem só o AI-5 na pele de um protestante
ascético com o privilégio de decidir o que é certo e o que é errado, o que é
justo e o que é injusto no Brasil, conforme a descoberta do sociólogo Jessé
Sousa.
Pensei
em mil razões para que o AI-5 fosse fazer companhia a Fabrício Queiroz em sua
fuga solitária do Ministério Público, mas o fato é que nenhuma delas me
convenceu. O mais provável é que não tenha mais onde morar. Por isso não posso
deixar de pensar que esteja apenas retornando ao Brasil e que, por enquanto,
preferiu ficar “na encolha” até que se confirme, de fato, o fim do regime democrático
no país. Afinal, foi tratado aqui como dragão, aberração jurídica, monstro
institucional que é e sabe muito bem aonde está pisando.
As
investigações devem elucidar quem chegou primeiro ao consultório jurídico do
advogado de Flávio Bolsonaro, se foi Fabrício Queiroz ou se foi o AI-5. Não
chegaram juntos, é certo. O AI-5 está mais rasgado, menos confiante, mais
atolado em dívidas com a Justiça e, principalmente, me pareceu emotivo e
passional demais para sustentar uma nova ditadura.
Pode
ser que um tenha convidado o outro para dividir a solidão ilegal de suas vidas.
As milícias oficiais, a essas alturas do campeonato, estão precisando de leis
draconianas para se protegerem da Justiça. E o AI-5, é certo, não suportaria
conviver com esse incômodo cheiro de amor e liberdade.
Que
volte, pois, para o inferno de onde veio!
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