sexta-feira, 12 de junho de 2020

O exemplo do general americano


JM Cunha Santos


Não foram poucas as vezes, nestes quase três meses de quarentena apavorada, em que eu (e não poucos, tenho certeza) fui dormir assediado pelo temor de que soldados amanhecessem na minha porta. Imaginei até minha mulher interrompendo meus sonhos juvenis, de posse do inevitável litro de álcool em gel e pílulas milagrosas que reforçam a imunidade, anunciando: as Forças Armadas estão aí e como te tens por poeta, essa raça de gente realmente muito perigosa, trouxeram os tanques, fuzis, caças Mig 17 e uma bandeira que destaca o artigo 142 da Constituição Federal; e minha cadela, Bambina, avançando nos coturnos da Força Aérea e da Infantaria a demonstrar suas convicções democráticas e natural ojeriza por ditaduras e ditadores.
Meus temores não faziam parte de minhas habituais sinistroses. Afinal, por cima da pandemia, os domingos e sábados brasileiros, antes que os corintianos chegassem, estavam servindo a cruzadas pela ruptura do regime democrático, pedidos de intervenção militar sabe lá Deus porque riscos que o Brasil corria, ataques às instituições consagradas na Carta Magna, ameaças de retorno aos atos institucionais, além de cagadas ministeriais como as de Damares e Weintraub invocando a prisão de juízes da suprema corte e dos governadores do país. Teses imediatamente conjuradas pelas declarações do general institucional Augusto Heleno, como alerta às autoridades constituídas, segundo as quais a apreensão de um celular do presidente da República seria uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderia ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional.
Lá fora, quer dizer, às portas do Palácio do Governo, beócios do Leviatã, brucutus do neonazismo, trapezistas, oportunistas e até herdeiros da Ku Klux Klan, defendiam o despotismo, a tirania, o autoritarismo, o absolutismo e pregavam uma guerra civil, celerados e dementes por um patriotismo lamentável que a tantos povos levou ao inferno da opressão.
E, ontem, o chefe do Estado Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, general Mark Milley, sem se aperceber, é claro, desabotoou a camisa de força dos debates em torno de uma intervenção militar no Brasil, ao se desculpar publicamente com o povo de seu país, por simplesmente ter participado de uma caminhada da Besta (o presidente Donald Trump) para posar para uma foto em frente à igreja de St. Jonh, próxima à Casa Branca. Estava dizendo a seu presidente que não lhe é dado o direito de ameaçar jogar as Forças Armadas contra o povo americano, o que Trump havia feito dias antes; estava lamentando sua participação (dele mesmo general) numa caminhada que foi garantida pelas bombas de gás e balas de borracha contra uma multidão pacífica que protestava contra o racismo e a violência policial. – Eu não devia ter estado lá; minha presença naquele momento e naquele ambiente criou uma percepção de envolvimento dos militares na política interna, disse Mark Milley. -- Devemos defender o princípio de um Exército apolítico que está tão profundamente enraizado na própria essência de nossa República, acrescentou.
No Brasil do momento em que vivemos, como se aqui fosse a República de Bananas de Sidney Porter, a Anchúria das demolições constitucionais, há uma insistência cada vez mais descabida para que as Forças Armadas brasileiras sigam uma porção de doidos e pornógrafos olavistas instalados na República e joguem suas tropas contra as instituições democráticas, contra a Constituição Federal, contra o estado de Direito e o povo brasileiro. Manifestações das quais participam o próprio presidente da República, em flagrante estado de ameaça contra tudo e contra todos e ao lado de um projeto de terrorista como Sara Winter, dentre outros.
Lamentável, mas disse aqui várias vezes que não acredito na possibilidade de intervenção das Forças Armadas para referendar o poder de capitães do mato como Sérgio Camargo, nazistas como Fábio  Wangjarten, destrambelhadas como Damares Alves e doidos de pedra como Abraham Weintraub.
Que se mirem “o cabo e o soldado” dos Bolsonaros no general americano, a saber que a missão dos exércitos é defender o país, não fazer política, não atacar as instituições, nem se deixar levar para missões pretendidas que somente envergonham e isolam da comunidade internacional o nosso amado Brasil.

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