JM Cunha Santos
Não
consigo parar de ler. Todo animal político – o universo inteiro dos bichos
racionais, precisa ler este livro. Para melhor compreensão do grau de
banditismo político que assaltou o Brasil, para saber que toda reputação pode
ser desidratada, posto que dignidades, honra, comportamento social, podem ser
destruídos por toques, curtidas e compartilhamentos nas galáxias digitais,
No
meio ambiente dos bots, no hemisfério
pagão dos trolls, no universo dos
sistemas automatizados, a honra de homens e mulheres é um detalhe que a desinformação
e a notícia falsa consomem e matam impunemente. A jornalista Patrícia Campos
Mello mostra em A máquina do ódio (referência
ao “gabinete do ódio” dos Bolsonaro)
que é impraticável desmentir o linchamento virtual, que a sua ou a minha
verdade, ou a de qualquer vítima, deixa de existir depois que inundam as redes
sociais com infamações e ameaças e que é também impraticável identificar seus
autores.
Ela
mesma, Patrícia, foi tratada de “vagabunda sem-vergonha”, num vídeo em que sua
foto aparecia ao lado do então candidato Alexandre Frota, depois de denunciar o
disparo em massa de mensagens contra Fernando Haddad, candidato do PT em 2018.
Numa série de reportagens, a jornalista denunciou que empresários contrataram
agências de marketing (até na Espanha) para disparar milhões de mensagens e
influenciar o resultado da eleição. A máquina do ódio não perdoou: “Se você
quer a segurança do seu filho, saia do país. Não é uma ameaça, é um
aviso", postaram no facebook. Bandidos ameaçando uma criança de 7 anos.
Mas
não é apenas o ódio o que o livro denuncia. É o ódio organizado, vendido e
comprado, investido em futuros políticos, em negociatas com recursos públicos. Uma
engrenagem de luxações morais que, por exemplo, atingiu Marina da Silva em sua
postura como mulher, que trucidou o cadáver da vereadora assassinada Marielle
Franco, ao reproduzir, até a exaustão de 360 mil compartilhamentos, os
comentários da desembargadora Marília de Castro Neves no facebook, segundo os
quais Marielle estava engajada com bandidos, havia sido eleita pelo Comando
Vermelho e que teria sido morta por descumprir obrigações com a organização
criminosa. Dá vontade de vomitar.
Leio
o livro e caio. Eu posso, qualquer um de nós pode, nesse território de
desinformações criptografadas, deixar de ser uma realidade ou me transformar em
outra realidade que eu não sou.
É
brutal. Agências de marketing vendendo em sites cadastros com milhões de
números de celulares atrelados a cpfs, títulos de eleitor, perfil social e
econômico, no objetivo criminoso de elevar a imagem do cliente ou descontruir
nas redes sociais a quem quer que esse cliente indicasse. “O meu e o seu número
de celular, de título de eleitor e até nossa faixa de renda podiam estar à
venda, sem nossa autorização”, escreve Patrícia Campos Mello.
É
preciso ler o livro para se ter ideia do tipo de escória humana que está no
poder ou que levou Jair Bolsonaro ao poder, a gente que construiu A máquina do ódio. Não consigo sequer
adjetivar o vídeo Jornalista da Folha, nem
o vídeo nem seus autores, de tão humilhante que é para com as mulheres deste
país e ao qual Patrícia Campos Mello faz referência no livro. Foi postado em
fevereiro de 2020, teve mais de 278 mil visualizações no canal Hipócritas, do
Youtube, com 803 mil inscritos e 615 mil visualizações na página bolsonarista
Movimento Conservador. Terrível e delituoso poder dos canibais na internet.
O
livro, está na orelha, é a história resumida de como uma repórter se tornou
alvo de uma violenta campanha de difamação e intimidação estimulada pelo “gabinete
do ódio” e suas milícias digitais. Mas é também uma dissertação sobre a
construção de um horror moral contra os brasileiros, a partir da manipulação
mercenária das redes sociais e um libelo em defesa da verdade e da informação.
Para mim, mais um alerta sobre o ódio em carne viva que hoje governa o Brasil.
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