segunda-feira, 31 de agosto de 2020

“A máquina do ódio”, o instigante livro da jornalista Patrícia Campos Mello

JM Cunha Santos



Não consigo parar de ler. Todo animal político – o universo inteiro dos bichos racionais, precisa ler este livro. Para melhor compreensão do grau de banditismo político que assaltou o Brasil, para saber que toda reputação pode ser desidratada, posto que dignidades, honra, comportamento social, podem ser destruídos por toques, curtidas e compartilhamentos nas galáxias digitais,

No meio ambiente dos bots, no hemisfério pagão dos trolls, no universo dos sistemas automatizados, a honra de homens e mulheres é um detalhe que a desinformação e a notícia falsa consomem e matam impunemente. A jornalista Patrícia Campos Mello mostra em A máquina do ódio (referência ao “gabinete do ódio” dos Bolsonaro) que é impraticável desmentir o linchamento virtual, que a sua ou a minha verdade, ou a de qualquer vítima, deixa de existir depois que inundam as redes sociais com infamações e ameaças e que é também impraticável identificar seus autores.

Ela mesma, Patrícia, foi tratada de “vagabunda sem-vergonha”, num vídeo em que sua foto aparecia ao lado do então candidato Alexandre Frota, depois de denunciar o disparo em massa de mensagens contra Fernando Haddad, candidato do PT em 2018. Numa série de reportagens, a jornalista denunciou que empresários contrataram agências de marketing (até na Espanha) para disparar milhões de mensagens e influenciar o resultado da eleição. A máquina do ódio não perdoou: “Se você quer a segurança do seu filho, saia do país. Não é uma ameaça, é um aviso", postaram no facebook. Bandidos ameaçando uma criança de 7 anos.

Mas não é apenas o ódio o que o livro denuncia. É o ódio organizado, vendido e comprado, investido em futuros políticos, em negociatas com recursos públicos. Uma engrenagem de luxações morais que, por exemplo, atingiu Marina da Silva em sua postura como mulher, que trucidou o cadáver da vereadora assassinada Marielle Franco, ao reproduzir, até a exaustão de 360 mil compartilhamentos, os comentários da desembargadora Marília de Castro Neves no facebook, segundo os quais Marielle estava engajada com bandidos, havia sido eleita pelo Comando Vermelho e que teria sido morta por descumprir obrigações com a organização criminosa. Dá vontade de vomitar.

Leio o livro e caio. Eu posso, qualquer um de nós pode, nesse território de desinformações criptografadas, deixar de ser uma realidade ou me transformar em outra realidade que eu não sou.

É brutal. Agências de marketing vendendo em sites cadastros com milhões de números de celulares atrelados a cpfs, títulos de eleitor, perfil social e econômico, no objetivo criminoso de elevar a imagem do cliente ou descontruir nas redes sociais a quem quer que esse cliente indicasse. “O meu e o seu número de celular, de título de eleitor e até nossa faixa de renda podiam estar à venda, sem nossa autorização”, escreve Patrícia Campos Mello.

É preciso ler o livro para se ter ideia do tipo de escória humana que está no poder ou que levou Jair Bolsonaro ao poder, a gente que construiu A máquina do ódio. Não consigo sequer adjetivar o vídeo Jornalista da Folha, nem o vídeo nem seus autores, de tão humilhante que é para com as mulheres deste país e ao qual Patrícia Campos Mello faz referência no livro. Foi postado em fevereiro de 2020, teve mais de 278 mil visualizações no canal Hipócritas, do Youtube, com 803 mil inscritos e 615 mil visualizações na página bolsonarista Movimento Conservador. Terrível e delituoso poder dos canibais na internet.

O livro, está na orelha, é a história resumida de como uma repórter se tornou alvo de uma violenta campanha de difamação e intimidação estimulada pelo “gabinete do ódio” e suas milícias digitais. Mas é também uma dissertação sobre a construção de um horror moral contra os brasileiros, a partir da manipulação mercenária das redes sociais e um libelo em defesa da verdade e da informação. Para mim, mais um alerta sobre o ódio em carne viva que hoje governa o Brasil.

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