domingo, 25 de outubro de 2020

CHICO DA LADEIRA

JM Cunha Santos

 


A morte de poetas não importa tanto – importam os versos afogados nas cantinas das memorias

E, “Haja Deus, quanta beleza”, quanta tristeza, quanta incerteza

nesse caminho que vai da terra quadrada ao por do sol

Os chicos são importantes, quando vivem e quando morrem

os não chicos dificilmente escapam da dor oficial

É como um verso dentro de um circo: todos vão rir do poeta pegando fogo

mas ao mesmo tempo vão cantar até ficarem sem goelas

Só peço que sofram; sofram hoje e amanhã

sofram enquanto é futuro

com a flor e o samba caminhando juntos com a rasga mortalha

dentro da mesma febre que faz esse país tão bonito

e o poeta embebido em nuvens e lembranças

de uma cidade São Luís que já foi de outros séculos

uma cidade que já pertenceu a outros continentes (e a seus pés)

talvez a outros planetas

escrevendo nos calções e em papel de embrulho

no chão de tábua de um céu que só ele sabia aonde estava

uma história que cai com o mesmo barulho do Bar do Abrigo

o mesmo barulho das portas que se fecham para todos os poetas

despencando do soluço do bardo Chico que foi e deixou a ladeira

mas ainda sambando na escadaria do sol poente

ainda com a serpente enrolada no pescoço

ainda dançando a valsa dos tambores requentados

no lombo de um boi que amanhece toda tarde

no lombo de uma tarde que fica à espera da manhã

E “Haja Deus, quanta beleza”

Haja Deus, quanta tristeza

Haja Deus, quantos chicos e ladeiras estão sumindo de São Luís!

2 comentários:

  1. Parabéns nobre jornalista, bela homenagem ao poeta popular e companheiro de trabalho na CEMAR.
    Ricardo Ferro da Silva

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    1. Estive muito com ele. E era como se não fizesse sambas. Era como se os sambas já estivessem lá, dentro dele.

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