sábado, 26 de setembro de 2009

MESMO CALADA A BOCA, RESTA O PEITO
JM Cunha Santos

Durante a ditadura militar recebi das mãos do jornalista José de Ribamar Bogéa, na redação do Jornal Pequeno, uma intimação para comparecer à Polícia Federal. Motivo: havia denunciado o suicídio de uma garota que sujeita aos efeitos da cleptomania tinha sido pública e violentamente agredida em palavras pelo diretor do colégio onde estudava.
Se bem lembro, fiz críticas ao modelo de ensino e ao despreparo do dirigente da escola. Fui advertido e não pude mais falar do assunto, apesar das minhas argumentações ao telefone com o agente policial. Tudo porque o tal diretor tinha um parente que era oficial do exército em Fortaleza-CE.
Casos absurdos como esse, eram comuns àquela época e estão de volta porque o poder civil corrupto instalado na América Latina se sente vigiado pela parafernália eletrônica à disposição dos repórteres e pela constante quebra dos sigilos bancário e fiscal de personagens políticos e judiciários que se têm por intocáveis. Recentemente, a Justiça goiana resolveu apreender o novo livro de Fernando Morais “Na toca dos leões” por conta de uma citação sobre o deputado ruralista Ronaldo Caiado. Ele teria proposto a adição à água potável de um remédio que esterilizasse as mulheres como forma de conter a superpopulação do que chama “estratos inferiores da sociedade”, os pobres. Morais não pode sequer falar sobre o assunto à imprensa sob pena de multa de R$ 5.000,00 a cada declaração.
Leio agora na revista “Isto É” uma reportagem (A imprensa sob ameaça) que fala da volta do fantasma da censura à América Latina depois do aparente processo de redemocratização no continente. Para vergonha do Maranhão, mais uma vez, o jornal “O Estado de São Paulo” circula hoje no país com um dístico inesperado: “Sob censura há tantos dias”. Refere-se à proibição judicial imposta por Fernando Sarney do veículo dar notícias sobre os negócios da família.
Jornalista, o pai de Fernando aproveitou o Dia Internacional da Democracia para dizer que “a mídia passou a ser uma inimiga do Congresso e das instituições representativas”, no que é referendado por Lula afirmando que não tem o hábito de ler jornais porque dá azia, faz mal ao fígado.
A profusão de ações judiciais por parte de políticos, integrantes de governos, empresários e magistrados para impedir de forma liminar a divulgação de informações de interesse público, citada pela revista, demonstra que a liberdade de expressão cortada a fuzil nos períodos ditatoriais vividos no continente latino americano, está sendo substituída paulatinamente.
Em 2007, Hugo Chavez cassou a licença da Rádio e Televisão Caracas (RCTV) e conseguiu fechar 34 rádios. Agora ameaça tirar do ar a Globovision que faz oposição a seu governo. No início de agosto, 35 pessoas fortemente armadas, partidários ou sicários de Chavez invadiram a sede da emissora; no dia 10 de setembro, o “Clarin”, maior jornal da Argentina, denunciou uma fraude de 10 milhões de pesos e teve sua sede invadida por 200 fiscais; o presidente da Bolívia, Evo Morales, processou o jornal “La Prensa” após denúncia de omissão de seu governo num caso de contrabando. Morales aumentou a influência do Estado sobre os meios de comunicação, inaugurou 250 rádios e ameaça estatizar o “La Razón”, maior jornal do país; e o presidente do Equador, Rafael Corrêa, deve aprovar no próximo mês o projeto de lei de comunicações que subordinará jornais, rádios e tevês à renovação anual do registro.

ENTRE SEM (ME) BATER

À direita e à esquerda, o ideal de domesticar a imprensa, impedir que fiscalize os poderes, busque a verdade e auxilie na construção da opinião pública, é histórico. A coroa portuguesa, por exemplo, possuía uma listagem de obras que não poderiam circular em seus territórios, incluindo suas colônias, dentre as quais o Brasil. Principalmente obras de teor iluminista que criticassem a igreja católica ou a monarquia absoluta.
Um burlesco, mas real episódio histórico é protagonizado pelo Barão de Itararé, pseudônimo de Aparício Torelli, descrito como genial jornalista e humorista, vereador e provocador profissional. Após publicar a saga do marinheiro João Cândido e sua “Revolta da Chibata”, Torelli recebeu na redação de seu jornal a visita indesejada de um grupo que lhe aplicou uma bela surra. Sem perder o humor, o Barão de Itararé, afixou em sua porta um aviso: “Entre sem bater”. Aviso que passaria a ser estampado em portas de repartições públicas e escritórios pelo Brasil afora durante muito tempo.
A bem da verdade, gente como Sarney e Hugo Chavez e muitos magistrados menos honestos, sentem saudades da época das pautas previamente aprovadas e sujeitas a inspeção por agentes autorizados dos poderes; sentem saudades dos trechos em branco, das notícias transformadas em receitas culinárias ante a intransigência da ditadura militar, da violência do Estado. A estes respondemos com a frase da composição Cálice ( ou Cale-se?) censurada apenas depois de muito sucesso, de autoria de Chico Buarque de Holanda: mesmo calada a boca, resta o peito”.
E só Deus sabe como um peito calado na marra é capaz de reagir.

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