sexta-feira, 13 de novembro de 2009

EU SINTO FALTA DO MURO




Não importa o que ele

dividia. O que importa

é que ele dividia. São tristes

as crianças que não tem muro

para pular.


JM Cunha Santos

Por quatro décadas ele esteve lá, dividindo a humanidade entre o bem e o mal, todo mundo se dizendo o bem, todo mundo acusando o outro de ser o mal. Não era o muro de Jean Paul Sartre, nem o muro das lamentações, era o muro do mundo.

Gentis jovens, gentis homens e a obscuridade do silêncio, o impacto da propriedade privada no sonho da mais valia. De um lado, a teoria do lucro, do outro a luta de classes.

Não eram dois mundos, como podem pensar. Era um mundo só. Idéias suspensas nas paredes, nos livros permitidos e nos documentos proibidos. Não importa o que ele dividia. O que importa é que ele dividia. Não havia essa unanimidade faminta de dólares e euros, a solidão desse gigantismo multinacional, esse monopólio de pensamentos, esse eixo imenso atraindo tudo. E todos.

Pelo menos se sabia que o martelo enfrentava o talão de cheques e a foice enfrentava os canhões.

Não queiram discutir comigo qual lado do muro estava correto. A juventude fulminada em meu peito precisa do muro. São tristes as crianças que não tem muro para pular.

Não tenho, nem tinha vergonha do muro, pois que ele encarnava as diferenças. Agora é tudo uma mesmice vergonhosa. Todos são felizes em todos os lugares e isso faz mal à liberdade, afinal, o único sentimento humano de que ninguém pode fugir.

Leio agora que 57% dos alemães defendem a pré-existência da antiga República Democrática Alemã (RDA) e concordam com a frase: “A RDA tinha mais lados bons que ruins. Havia alguns problemas, mas a vida era boa”.

Um planeta sem Leste caminha para a autodestruição sob os olhares catastróficos de George Bush, Helmut Khol e Mikail Gorbachev. Já não há trabalhadores irmanados na idéia de possuírem uma parcela substancial da riqueza que geram. Mas não é a exploração capitalista o que mais incomoda, é o muro, ou melhor, a falta do muro. Ele fazia essa exploração existir todas as vezes em que ela existia. Sem meias medidas, sem contestações, sem lavagem cerebral.

O século XXI não tem muro e sem muro não há lado onde ficar. Sem lado para escolher, Norman O. Brown insulta: “salta aos olhos que, mantida a prioridade dos interesses individuais sobre os coletivos, a exaustão dos recursos naturais e as catástrofes ecológicas reduzirão drasticamente os contingentes humanos ou os exterminarão de vez”. Ponto para sempre: Sem muro não há opções. Diz Celso Langaretti: “a opção que fazemos agora é entre a vida numa sociedade solidária e harmoniosa, ou a morte sob o capitalismo excludente e predatório”.

Pode até ser que assim como está, cada vez mais no chão, o muro não represente o fim da história, mas neste momento estamos sem alternativa histórica e, assim, sem muro e sem crianças para pular o muro, há cada vez mais meninos pendurados nos pára-brisas dos carros, pedindo esmolas e cada vez mais gente matando meninos.

Francis Fukuyama, em seu ensaio clássico “O Fim da História”, argumentou que nenhum sistema com credibilidade sobreviveria ao modelo político-econômico praticado pelos Estados Unidos e outros países ocidentais. Para ele, a história passaria a ser uma corrida dos países para recuperar o tempo perdido e concretizar o modelo vitorioso, o capitalismo. A queda do muro, a seu ver, simbolizou o triunfo da democracia liberal do livre mercado sobre seu último rival ideológico: o comunismo.

Mas, sem ser capitalista nem comunista, sem mesmo mais me infernizar com a “Utopia”, de Thomas More, penso no destino das crianças sem um muro para pular. Pior: penso na chatice desse século sem crianças para pular muros. Penso no vazio. Eu sinto falta do muro. E, quem sabe, o muro sinta falta de mim para voltar.



Um comentário:

  1. Bom dia JM.
    Muito interessante este seu texto...
    Passei para lhe desejar um optimo final de semana e deixar um abraco.
    Francisco

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